Olá,
quanto tempo!
E, como insight e
inspiração são coisas que andam escasseando em minha cachola, resolvi aproveitar
o horário de almoço para compartilhar com quem possa se interessar.
Sei que o título
parece coisa de coach, “Como viajar sem sair do lugar?”, mas é preciso valer-se
de alguns artifícios para atrair a atenção do leitor distraído.
Quem é que não
gostaria de viajar sem sair do lugar?
Esses dias,
enquanto navegava pelo Instagram, deparei com uma postagem da tradutora Débora
Fleck, em que ela falava sobre o livro que traduziu para a Editora
Antofágica, “Viagem ao redor do meu quarto”, de Xavier de Maistre. Como sou uma
bibliófila compulsiva, já fui logo xeretar a apresentação no site da Amazon.
Eis um fragmento
dessa apresentação:
“Um militar condenado à reclusão após matar um
oponente de duelo escreve estas memórias, que figuram entre as obras mais
queridas por Machado de Assis. Acostumado aos combates e deslocamentos, o
oficial do exército Xavier de Maistre se vê confinado em seu quarto – e enxerga
nessa pena uma oportunidade para mergulhar a pena da galhofa na tinta da
melancolia. Mestre das linhas tortas, digressões e ziguezagues, De Maistre nos
apresenta uma nova maneira de viajar: por meio de uma incursão no mundo das
letras. Para cada dia preso em seu quarto, um capítulo. Assim é construída esta
obra, que transita entre a narrativa memorialista, a autobiografia e o relato
de viagem. Escrita em 1793, inaugura uma febre de narrativas que percorrem
mundos sem sair do lugar. [...]”
Primeiro,
“uma obra que figura entre as mais queridas por Machado de Assis”; segundo, “inaugura uma febre de narrativas que percorrem mundos sem
sair do lugar”, precisa mais do que isso para despertar a atenção? Não só
comprei o livro, como deixei-o furar a fila de minha lista de leitura, indo
direto para o topo.
Justo
ontem terminei de ler Doutor Jivago, de Boris Pasternak, e essa história de
percorrer mundos sem sair do lugar veio a calhar, foi o gatilho que disparou o
insight (muito clichê, admito). Explico: Quando comecei a ler Doutor Jivago,
fiquei mais perdida que cachorro em dia de mudança, ou que cego em tiroteio ou,
como dizem os espanhóis, perdido como un turco en la neblina. Aliás, se quiser saber a origem dessa
expressão, que na verdade é uma deturpação, leia este texto.
Desculpem
a divagação, mas quem me conhece já sabe que eu divagueio mesmo, brincadeira...
eu divago... divago... jivago
Então,
retomando o fio da meada, fiquei perdida em meio a tantos nomes, sobrenomes e
apelidos russos, só o protagonista, para dar um exemplo, aparece sob o nome de
Doutor Jivago ou Iúri Andréievitch Jivago ou Iúrotchka, casado com Antonina
Aleksándrovna Gromeko ou Tônia, ou Tonka, filha de
Nikolai Aleksándrovitch Gromeko. Iúri se apaixona por Larisa Fiódorovna Guichard
ou Antípova ou Lara, que por sua vez é casada com Pável Pávlovich Antípov ou
Pacha ou Strélnikow, e por aí vai...
Para
conseguir me localizar, li uma excelente resenha da tradutora de russo Érika
Batista, Como
nossos pais. Ela, aliás, deixou como bônus um esquema dos personagens, pois
em suas próprias palavras: “Pela primeira vez na vida, me vi obrigada a fazer
uma lista de personagens para não me perder numa leitura (...)”.
A
seguir, assisti — mesmo contra meus princípios —, ao filme Doutor Jivago de
1965, dirigido por David Lean e protagonizado por Omar Sharif (Iúri Jivago) e
Julie Christie (Lara Antípova). Só depois disso voltei para o livro, já com as
ideias mais claras.
Para aqueles que quiserem saber mais a respeito do livro, recomendo ler a resenha da Érika, que fez uma ótima análise, muito completa. Meu objetivo aqui é defender a ideia de que é
possível viajar através dos livros.
Quando
terminei de ler Doutor Jivago fiquei com a impressão de ter visitado Moscou e
de ter embarcado na longa viagem de trem junto com Iúri, Tônia, o pai dela e o
filho do casal, rumo a Varikino quando a situação apertou após a revolução. De
admirar as paisagens cobertas de neve, os montes Urais, os bosques de tília,
tive a sensação de sentir o perfume adocicado das tílias, que, segundo minhas
pesquisas, lembra jasmim com mel. Além disso, assisti a alguns vídeos sobre a
guerra civil russa de 1917 para entender melhor o contexto histórico e social,
Também cheguei ao capítulo “Pasternak e a revolução” do livro Por que
ler os clássicos, de Ítalo Calvino.
Tílias (Fonte: Revista Jardim) |
Na versão cinematográfica, esta é a dacha rural, a leste dos Montes Urais, onde o Iúri Andreievich cresceu em Varykino |
Parafraseando Calvino, um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer. Quando você embarca num livro desses, você viaja
para outra época, para outro lugar, estabelece conexões com outros textos, com
outros formatos (filmes, documentários, músicas, obras de arte, etc.), acontecimentos históricos e muito mais,
você viaja para dentro de si mesmo ao rememorar passagens de sua própria vida.
E como eu sempre digo um livro chama outro livro, que chama outro...
Se um romance histórico já conseguiu me
arrancar do sofá, quem dirá um relato de viagem mesmo, algo assim como “Uma
passagem para a Índia” de E.M. Forster, que aliás já virou filme também e adivinhe
quem foi o diretor? Nada mais e nada menos que David Lean, o mesmo diretor de Doutor
Jivago. Acho que vai ter mais um furão de fila por aqui... Ou quem sabe “A volta
ao mundo em 80 dias”, de Júlio Verne? Sete anos no Tibet?
Para
você que aguentou até aqui, eu desejo boas leituras, ou melhor, uma boa-viagem!
Aqui estão algumas listas de livros de
viagem:
17 livros de viagem para ver o mundo sem sairde casa, por Betina Neves.
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