Você traduziria da mesma forma uma bula de remédios e um romance?
Certamente não. Em nosso dia a dia recebemos pedidos de
tradução dos mais diversos: manuais
técnicos, artigos acadêmicos, resenhas turísticas, cardápios, contratos,
legendas, aplicativos, literatura, etc.
Cada texto tem suas características, linguagem e estilo
próprios, público-alvo, terminologia. Então é razoável que apliquemos
estratégias e abordagens diferentes conforme a tipologia textual.
Vejamos algumas questões que devemos levar em conta:
Textos técnicos
Funções predominantes: referencial, pelo seu caráter informativo,
denotativo e explicativo.
Linguagem: caracteriza-se pelo conhecimento
especializado, uso de jargões e estrangeirismos, é objetiva, descritiva,
impessoal e instrucional.
Exemplos de texto técnico: manuais de usuário, de
instalação e operação, descritivos técnicos, relatórios, laudos, patentes, etc.
Competências tradutórias: raciocínio lógico, processamento
e síntese da informação, espírito investigativo, objetividade, precisão,
clareza, uniformidade e consistência. Também é preciso que o tradutor conheça
suas limitações e saiba recusar um trabalho quando não se sente apto.
Imagine um profissional que precisa operar um equipamento
complexo, como um respirador. É crucial que as instruções sejam o mais claras e
simples possível, de forma a eliminar o risco de uma má interpretação que possa
colocar em risco a vida do paciente.
Tradução: literal na maioria dos casos, mas dinâmica
em alguns momentos para tornar o texto mais claro, por exemplo em instruções; é
funcional e utilitária pois têm em vista o usuário e pretende ajudá-lo a usar alguma
coisa da melhor forma.
Textos científicos
Funções predominantes: informativa, referencial.
Linguagem: formato mais rígido: o rigor, a precisão e
a coerência devem contribuir para alcançar um resultado elegante.
Exemplos de texto científico: trabalho acadêmico
(teses, monografias, artigos, etc.).
Competências tradutórias: conhecer a redação
acadêmica, saber como proceder na tradução de citações e referências
bibliográficas, quais elementos devem ou não ser traduzidos; espírito
investigativo, coerência, precisão e clareza. Quando se traduz diretamente para
o autor, requer capacidade de reorganizar e sintetizar as ideias, capacidade de
negociação e tato para convencer o autor a fazer as modificações necessárias.
Tradução: literal, também é funcional pois tem em
vista divulgar conhecimento, estudos para a comunidade acadêmica e científica.
Textos turísticos
Funções predominantes: além da função referencial,
prevalecem as funções conotativa e emotiva, pois o objetivo é convencer o
leitor a fazer uma viagem ou passeio, viver uma experiência.
Linguagem: persuasiva, descontraída, informal. Geralmente
usa verbos no imperativo (conheça, visite, experimente, contrate, etc.),
predomina o texto descritivo, rico em adjetivos convidativos (paisagem
cinematográfica, água cristalina, natureza exuberante, ambiente acolhedor,
etc.). Apresenta termos intraduzíveis, regionalismos. Descreve percepções
sensoriais: sabores, cheiros, cores e texturas.
Exemplos de textos turísticos: guias, resenhas, sites,
revistas especializadas, etc.
Competências tradutórias: boa bagagem cultural, desejável
conhecimentos de geografia e história, capacidade de explicar brevemente termos
intraduzíveis, regionalismos. Saber o que se deve ou não traduzir nesse tipo de
textos, como lidar com topônimos e localismos, por exemplo, sem descaracterizá-los.
Tradução: mais livre e criativa, funcional, pois
pretende convencer o leitor a viver uma experiência.
Textos institucionais
Funções predominantes: referencial, emotiva e apelativa
(quando pretende engajar o funcionário).
Linguagem: faz parte da identidade e reputação da
instituição, esse tipo de texto requer uniformidade de estilo e consistência
terminológica. A comunicação interna geralmente é mais informal, pois o
objetivo e engajar os funcionários. Já a comunicação externa é mais formal, pois
pretende estabelecer a reputação da empresa, ganhar a confiança do cliente e
estabelecer um vínculo.
Exemplos de textos institucionais: comunicados, atas,
políticas organizacionais (anticorrupção, de gestão de riscos, de segurança da
informação, etc.).
Competências tradutórias: visão sistêmica da
instituição, desejável ter noções de comunicação organizacional pública e
privada. Ter sempre em mente o público-alvo.
Tradução: tradução literal no caso de normas,
políticas e diretrizes e livre ou criativa em casos específicos. O ideal é que
cada instituição/empresa conte com um guia de estilo para o tradutor, que estabeleça
diretrizes e preferências. O tradutor pode dar sugestões, desde que bem
justificadas, mas, em regra, prevalece a preferência do cliente.
Textos literários
Funções predominantes: poética ou estética, ou seja,
a ênfase recai no próprio texto.
Linguagem: subjetiva, conotativa, caracteriza-se pela
presença de metáforas, recursos de estilo, diálogos. Em poesia, há rima,
cadência, estrofes, versos, etc.
Exemplos de texto literário: livros de ficção,
contos, romances, crônicas, poesia, etc.
Competências tradutórias: por ser um objeto estético,
o tradutor deve ser capaz de reproduzir, na medida do possível, os efeitos do
original e fazer que os diálogos soem naturais, verossímeis. É muito desejável
uma boa bagagem de leitura e de conhecimentos gerais para que ele seja capaz de
identificar as referências literárias e culturais presentes na obra. Requer
extrema fidelidade e respeito ao original, já que o livro é a voz do autor, suas
impressões, reflexões e emoções. O tradutor não deve perder de vista o caráter
servil do seu trabalho, seu papel é produzir um texto o mais próximo possível do
original, de maneira que o leitor possa dizer que leu tal autor sem faltar à
verdade.
Tradução: tão fiel quanto possível. Criativa em ocasiões
muito específicas para resolver problemas tradutórios, não para introduzir modificações
aleatórias.
Textos publicitários
Funções predominantes: conotativa, emotiva e semiótica,
pois elabora representações, envolve signos e símbolos.
Linguagem: persuasiva, apelativa, informal, lúdica, criativa,
envolve elementos visuais, sonoros.
Exemplos de texto publicitário: campanhas
publicitárias, slogans, lançamentos, etc.
Competências tradutórias: criatividade, imaginação,
noções de marketing, semiótica, localização (adequação ao mercado de destino), boa
bagagem cultural. O tradutor deve ter em mente o público-alvo, bem como
questões éticas que possam colocar em risco a reputação da empresa ou produto.
Deve tomar cuidado para não usar termos politicamente incorretos e estar atento
a aspectos culturais, pois alguns termos ou expressões podem resultar ofensivos
em outras culturas.
Tradução: altamente criativa e funcional, pois o
objetivo é vender uma imagem, produto ou serviço.
Textos jurídicos
Funções predominantes: assim como no técnico, predominam
as funções referencial e informativa.
Linguagem: formal, técnica, rígida. O texto jurídico
tem valor legal, público, no sentido de estabelecer normas, condições, obrigações.
Apresenta muitos jargões e vocabulário especializado.
Exemplos de texto jurídico: contratos, certidões,
leis, sentenças, editais, etc.
Competências tradutórias: redação técnica, conhecimento
técnico de aspectos e conceitos legais, do sistema jurídico, além de exigir
familiaridade com o "juridiquês", isto é, aqueles jargões e
expressões específicas, muitas vezes arcaicos e excêntricos que dificultam
consideravelmente a trabalho do tradutor.
Tradução: literal na maioria das vezes, criativa
quando é necessário adaptar conceitos legais. Também é funcional porque deve ser
eficaz e cumprir seu objetivo.
Limitei-me a abordar os tipos de texto que traduzo com mais
frequência, mas há muitos outros mais (legendas, localização, jogos, notícias,
etc.). Cada um com suas particularidades.
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