sábado, 17 de outubro de 2020

O que se considera um erro de tradução?


Todo tradutor profissional deve prezar pela qualidade do seu trabalho, mas, quando ainda se está no início de carreira, é comum sentir insegurança e duvidar da própria capacidade. Afinal, há muita ansiedade por conseguir a primeira oportunidade, mas, ao mesmo tempo, há o medo de ser reprovado no teste e ver a grande chance ir embora.

Há muitos textos que falam sobre as qualidades de uma boa tradução, eu mesma já publiquei  vários aqui no blog.

Basicamente, estas são as qualidades que uma boa tradução deve ter:

  1. fidelidade, fluência e naturalidade;
  2. precisão, coerência e correção gramatical;
  3. uniformidade e consistência terminológica;
  4. padronização de estilo.

Muito bem, conhecemos a nossa meta, mas, como chegar lá? O que se considera um erro de tradução?

Sabemos aonde queremos chegar, mas precisamos de parâmetros que possamos aplicar na prática para produzir um trabalho de qualidade.

Você já deve ter ouvido por aí que não existe uma tradução única, perfeita, que a tradução é uma atividade subjetiva e que, por isso, é impossível avaliá-la de forma objetiva. Assim, nenhuma tradução poderia considerar-se errada. Diga isso para o revisor que rejeitou seu teste...

Obviamente isso não é verdade. Parafraseando o mestre Paulo Henriques Britto, o fato de não termos certeza absoluta sobre alguma coisa não significa que tenhamos incerteza absoluta. O fato de a tradução ser uma atividade subjetiva não implica que ela não possa ser avaliada com certo grau de objetividade. Isso não só é possível como é fundamental, do contrário não teríamos como garantir um mínimo de fiabilidade.

Acreditar que não é possível avaliar a qualidade de uma tradução é autossabotar-se, é impedir a si mesmo de avançar na carreira, é cair no relativismo de que toda tradução é genuína e aceitável. A qualidade agrega valor, enobrece.

Agora vamos tratar daquele intruso folgado que corrompe o nosso texto: o erro.

Para isso contaremos com critérios objetivos, propostos pela tradutóloga espanhola Amparo Hurtado Albir, que criou uma tabela de correção de traduções. Eis uma versão levemente adaptada por duas professoras-tradutoras que realizaram um estudo citado ao final deste texto:


INADEQUAÇÕES QUE AFETAM A COMPREENSÃO DO TEXTO ORIGINAL

CONTRASENSO (CS): Erro de tradução que consiste em atribuir um SENTIDO CONTRÁRIO ao do texto original.

FALSO SENTIDO (FS): Consiste em atribuir um SENTIDO DIFERENTE ao do texto original. Não diz a mesma coisa que o original por desconhecimento linguístico e/ou extralinguístico.

SEM-SENTIDO (SS): Consiste em usar una FORMULAÇÃO DESPROVISTA DE SENTIDO. Incompreensível, falta de clareza, compreensão deficiente.

NÃO MESMO SENTIDO (NMS): Consiste em APRECIAR INADEQUADAMENTE UM MATIZ DO ORIGINAL (reduzir ou exagerar sua significação, introduzir ambiguidade, erro dentro do mesmo campo semântico, etc.).

ADIÇÃO (AD): Consiste em INTRODUZIR ELEMENTOS de informação desnecessários ou ausentes no original.

SUPRESSÃO (SUP): Consiste em NÃO TRADUZIR ELEMENTOS de informação do texto original.

REFERÊNCIA CULTURAL MAL RESOLVIDA (CULT) INADEQUAÇÃO DE VARIAÇÃO LINGUÍSTICA (VL): Consiste em NÃO REPRODUZIR (OU REPRODUZIR INADEQUADAMENTE) ELEMENTOS relativos à variação linguística, isto é, diferenças de uso e usuário: tom (T), estilo (EST), dialeto (D), idioleto (ID).


2. INADEQUAÇÕES QUE AFETAM A EXPRESSÃO NA LÍNGUA DE CHEGADA

ORTOGRAFIA E PONTUAÇÃO (ORT) GRAMÁTICA (GR) LÉXICO (LEX): Barbarismos, empréstimos, usos inadequados.

TEXTUAL (TEXT): Incoerência, falta de lógica, mau encadeamento discursivo, uso indevido de conectores, etc.

REDAÇÃO (RED): Formulação defeituosa ou pouco clara, falta de riqueza expressiva, pleonasmos, etc.


3. INADEQUAÇÕES PRAGMÁTICAS (PR)

Incoerentes com a finalidade da tradução (em relação ao tipo de solicitação, ao destinatário a quem se dirige), o método escolhido, o gênero textual e suas convenções, etc.

 

Fontes:

FÉRRIZ MARTÍNEZ, Carmen; SANS CLIMENT, Carles. Una propuesta de intervención didáctica en la enseñanza de la traducción del portugués al español: análisis de errores de traducción. MarcoELE: Revista de Didáctica, n. 11, p. 37-63, 2010. Disponível em: <http://marcoele.com/descargas/11/03.ferriz_sans.pdf>.

BRITTO, Paulo Henriques. A Tradução Literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

Outros textos sobre qualidade aqui no blog:

Controle de qualidade de textos traduzidos ou vertidos

O que é material de referência e qual a sua importância?

Quanto vale o seu trabalho? 

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