Esses dias presenciei algumas
discussões em grupos de tradutores a respeito da falsa dicotomia entre a teoria
e a prática, desculpem o chavão, como se ambas não fossem faces de uma mesma
moeda. De um lado, os que defendiam a necessidade da educação formal, inclusive
alguns que assumiam sofrer da síndrome do "eterno aprendiz",
acumulando diplomas de graduação e pós-graduação, mas com pouca experiência
prática; do outro aqueles que enfatizavam a importância da prática em
detrimento da teoria.
Desde pequenos aprendemos as
coisas do mundo através de duas visões, a teórica e a prática, assimilamos pela
observação e pelas explicações que recebemos. Ouvimos repetidamente que
precisamos comer para crescer e ficar fortes, mas só conseguimos entender a relação
entre a comida e o crescimento, mais adiante, quando aprendemos sobre nosso
organismo e sua necessidade contínua de energia para funcionar adequadamente.
Só então compreendemos que nosso corpo, como uma máquina, processa os alimentos
e os transforma em energia. É, nossa mãe estava certa, precisamos comer para
ficar fortes.
Assim, a fundamentação teórica
serve para confirmar ou refutar nossas observações, e mais, para ampliar nossa
perspectiva, fazendo-nos enxergar além do óbvio.
Em geral, quando decidimos ser
tradutores, baseamo-nos em nosso conhecimento de ao menos um par de línguas. Achamos que
isso é o suficiente para transpor uma mensagem de uma cultura para outra. Somos
jovens, conhecemos mais de uma língua, mais de uma cultura, somos diferenciados. Sentimo-nos no comando, somos ousados, não temos medo de arriscar, agimos por intuição e refutamos a teoria em nome da prática. Acreditamos que temos um dom,
um talento natural.
Mas aí vem a frustração quando
encaramos o trabalho real e percebemos que não estamos preparados para lidar
com tantas exigências. Nosso "talento natural" não dá conta de
resolver os obstáculos que se apresentam... Hesitamos diante de tantas dúvidas,
sentimo-nos inseguros, e é então que "a ficha cai": precisamos de algo
a mais. Algo que nos permita tomar decisões firmes, que nos permita defender
nossas escolhas com segurança. É aí que entra a fundamentação à qual nos
referimos mais acima. Queremos dominar
nosso ofício, conhecê-lo a fundo, fazer nosso trabalho da melhor forma.
Buscamos o desenvolvimento pessoal e profissional, o respaldo para construir
uma carreira sólida.
Não queremos nivelar-nos por baixo,
queremos a excelência. A nossa postura muda: admitimos que não conhecemos da
missa um terço.
Não vou entrar em detalhes sobre minha
formação, porque daria uma novela. Resumindo: levei mais de 17 anos para me
formar, mas não me envergonho disso, pelo contrário, fui persistente, nadei
contra a corrente. Estudei três anos completos de Letras Língua Portuguesa, não
me formei. Anos mais tarde, formei-me em Letras Língua Espanhola, na UFSC. Depois
disso, quando decidi dedicar-me à tradução, cursei uma pós-graduação em Tradução
de Espanhol. No total, foram 9 anos de estudo. Mas não parei por aí, sempre que
posso, faço algum curso, leio algum livro da área, porque sei que ainda tenho
muito que aprender.
Se o estudo fez alguma diferença?
Sim, fez muita diferença. Acreditem. Da água para o vinho. Falando nisso, dizem
que tradutor é como o vinho, melhora com os anos, mas é bom lembrar que o vinho,
quando se corrói, vira vinagre... Ou seja, envelhecer sim, mas com leveza, mantendo-nos
ativos e buscando evoluir.
Quais seriam os conhecimentos
teóricos necessários para o tradutor?
Acredito que o conhecimento profundo
das línguas fonte e alvo é fundamental. O tradutor precisa conhecer a fundo as
normas e padrões que regem as línguas com as quais trabalha, e ainda, suas
idiossincrasias, conhecer a norma culta, mas também as variações, os
regionalismos, as expressões idiomáticas, jargões, tecnicismos, gíria, quanto
mais amplo seu conhecimento, melhor. Afora
a bagagem cultural. É importante ter algum conhecimento da história, geografia,
manifestações culturais e costumes dos países em questão.
Também é recomendável conhecer um
pouco da teoria da tradução, as diferentes vertentes, os movimentos filosóficos
por trás dessas vertentes, as tendências e os questionamentos. E conhecer, principalmente,
as técnicas e estratégias de tradução.
Não acho que seja essencial, mas,
sem dúvida, é enriquecedor conhecer um pouco da história da tradução: saber como
surgiram os primeiros tradutores, as primeiras escolas, o que traduziam, como o
faziam, a evolução e a formalização do ofício e seu papel na sociedade, entre
outros.
Não se trata de acumular
conhecimento. É preciso saber aplicá-lo, servir-se dele no dia a dia. Para complementar
a teoria, é aconselhável buscar oficinas ou estágios que nos permitam colocar
as mãos na massa para avaliar nossas fortalezas e fraquezas.
Uma vez que tenhamos um
conhecimento mínimo da tradução, precisaremos especializar-nos em alguma modalidade:
tradução técnica, tradução editorial, tradução audiovisual, localização de softwares
e jogos, interpretação, etc. Sem falar que cada uma dessas modalidades, se
desdobra em outras especialidades.
Deixando de lado a teoria e a
prática, há outro aspecto muito importante que não devemos negligenciar: o
mercado. Precisamos entender como funciona o mercado da tradução, conhecer os
envolvidos e as regras do jogo. E, num cenário competitivo como o mercado da
tradução, é preciso dominar algumas tecnologias, como as ferramentas de auxílio
à tradução, assim como cultivar nossa rede de relacionamentos através das redes sociais.
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