Como promessa é
dívida, e não gosto de ficar devendo, aqui estou para tentar compensar a última
postagem que ficou bastante chumbrega ou, como dizem os espanhóis, bastante “chunga”...
Para aqueles que não perderam seu tempo lendo-a, eis o resumo da ópera: após um
longo tempo sem postar, eu pretendia escrever um agradável relato sobre minha
recente viagem à Espanha, mas o resultado foi um texto estapafúrdio, sem pés
nem cabeça.
Acho que estou um
pouco fora de forma, já que escrever é um exercício que requer assiduidade,
principalmente quando não se tem o dom.
Tentarei ser menos
prolixa desta vez.
Após oito horas
de espera, consegui terminar Caninos
brancos e praticamente li mais um livro inteiro, Senhor das Moscas, de Willian Golding, indicação do meu filho mais
velho. Os dois livros são muito bons e ambos abordam a temática da luta pela
sobrevivência. O primeiro ressalta a forma como a luta pela sobrevivência
condiciona o caráter; o segundo, a forma com tal luta influencia na
coletividade e se reflete na disputa pelo poder e pela liderança.
Minha nossa, desculpem,
senhores passageiros, eu disse que seria menos prolixa desta vez...
Vonn... Pronto, cheguei a Madri!
Uma das partes mais
tensas é pegar as malas e passar pela alfândega, principalmente se você leva
duas malas grandes repletas de itens preciosos supostamente passíveis de confisco:
paçoquinhas, pipoca doce, pé de moleque, melado, goiabada, castanha-de-caju,
castanha-do-pará, doce de cupuaçu, biscoito de polvilho, sagu, requeijão, carne
seca, linguiça calabresa, ingredientes para feijoada, feijão, farofa, três garrafas
de cachaça, limão... Fora isso, mais de uma dúzia de havaianas!
Ufa, passei pela
alfândega! Agora a pior parte: formar a fila para passar pela migração. Como me
naturalizei brasileira, vou para a fila “minhocão” destinada a todos aqueles
que não têm passaporte europeu... Meus pensamentos obsessivos se voltam para o
ípsilon intruso no nome da minha mãe (ver postagem anterior). Beleza! Meu
passaporte é carimbado e agora bem a melhor parte: o encontro com minha irmã e
sobrinhos, que já estão me esperando no saguão! Beijos, abraços e selfies!
Do aeroporto nos
dirigimos para a casa da minha irmã, em Soto del Real, município da província e
Comunidade de Madri, situado na face sul da Serra de Guadarrama. Ficamos por lá
dois dias para encontrar-nos com a minha tia e família que moram próximo dali, em Las
Rozas. A seguir, partimos rumo a San Juan, uma cidade litorânea que faz parte
da Comunidade de Valencia, província de Alicante, na costa mediterrânea do
sudeste da Espanha. Vamos para a casa da nossa avó, onde nos encontramos com nossa
querida vozinha, nossa outra tia, primas e suas respectivas famílias. A turma é
grande, mas minha tia já tem tudo organizado e sob controle.
Os dias são longos,
durante o verão a luz solar só se apaga perto das dez da noite. Assim
desfrutamos das férias dividindo-nos entre praia, piscina, comidas, siesta, sorvetes, passeios, anedotas e
recordações. Momentos aprazíveis em companhia de seres queridos, quem precisa
de mais?
Mas vamos aos
destaques...
Em termos de comidas,
cabe destacar o arroz com polvo, preparado por minha tia e o “arroz a la
cubana”, outra de suas especialidades. Os mexilhões ao vapor e a chipa
paraguaia, preparados por minha irmã. Os cogumelos e aspargos grelhados e o
churrasco, preparados por meu cunhado. O kebab turco, que eu adoro. Os jantares
fora de casa, um deles num restaurante mexicano, e o outro, num oriental. Fora as
típicas “tapas” espanholas e as “jarras” de cerveja gelada. Sem falar na minha
feijoada e caipirinhas, que, modéstia à parte, não deixaram a desejar. Também
aproveitei para me empanturrar de aspargos em conserva, que eu adoro, e que são
muito mais baratos por lá. Ah, sim! Já ia me esquecendo dos prestigiados
sorvetes da Antiu Xixona, cuja cremosidade e variedades de sabores, cada um
mais gostoso que o outro, trouxeram-me à memória os sorvetes da Cairu, sorveteria famosa do
Pará. Destaque para o delicioso sorvete de “turrón”.
Quanto aos passeios,
vale a pena mencionar o que fizemos a Altea, uma encantadora cidade vizinha,
localizada no alto de uma colina, conhecida por seus sobrados brancos e ruas
empedradas. O ambiente era muito acolhedor, o ar fresco, a vista
cinematográfica do alto da cidade, as ruas repletas de famílias, barracas de
artesanato e barzinhos. Passamos um final de tarde muito agradável, passeamos
pela praça central da cidade, tomamos algo por aí e, finalmente, antes de
retornar para San Juan, jantamos muito bem no restaurante de um norueguês.
Fonte:campingarenablanca.com |
Fonte: 525tours.com |
Fonte: media-cdn.tripadvisor.com |
Outro passeio
maravilhoso foi o que fizemos a Cuenca, na viagem de volta para Madri. Essa
brilhante ideia foi mérito da minha irmã. Confesso que deu certa preguiça ter
de desviar uns 60 km do caminho, já que fazia um calor infernal. Mas quando
chegamos a Cuenca, fiquei boquiaberta com o que vi...
Que lugar incrível!
Trata-se de uma pitoresca cidade situada no alto de uma colina cercada por um
profundo desfiladeiro formado pelos rios Júcar e Huenca. Destaca a parte antiga
da cidade com suas ruas estreitas de pedra, a catedral em estilo gótico
primitivo, o Convento das Descalças, o Museu, mas, principalmente, as famosas
“casas colgantes” uns sobrados suspensos à beira do precipício. Sem dúvida,
valeu muitíssimo a pena!
Acervo pessoal |
Acervo pessoal |
Uma coisa que chamou
minha atenção, de maneira negativa, nesta viagem foi a falta de paciência de
alguns comerciantes para com os clientes. Claro que não podemos generalizar,
mas duas cenas contribuíram particularmente para deixar essa impressão. A
primeira, num restaurante à beira da estrada, no qual os clientes escolhem um
prato do dia, pagam e se dirigem para as mesas, diferente do procedimento
adotado no Brasil, onde geralmente se paga ao deixar o local. Como eu não sabia
disso, passei distraída pelo caixa e fui em direção às mesas. O cara do caixa vociferou:
“Ei, moça, tem que passar aqui!”, e eu: “Desculpe, não sabia como funciona”, ao
que ele respondeu com toda sua simpatia: “Pois funciona pagando!”... “Ah, é
mesmo? Que pena, porque eu pretendia fugir correndo com o prato na mão”
(PENSEI). Fala sério? Precisava de tanta grosseria?
A outra cena grotesca:
o repositor do supermercado empurrava um carrinho de carga cheio de caixas
quando deparou com uma senhora de idade avançada, que obstruía seu caminho. A
senhora estava distraída escolhendo uns melões na banca e não o ouviu pedir
licença. Após alguns instantes, ela finalmente se dá conta de que está obstruindo
a passagem e diz: “Ah, me desculpe! Estava falando comigo?”, ao que ele
responde: “Não, senhora. Desde pequeno tenho o costume de falar com os melões”.
Dá para acreditar em semelhante azedume?
Enfim, gente azeda tem
por todo lugar. Nem vou comentar do tratamento que recebemos em certa divisão
de estrangeiros, porque o mau-humor é algo meio que inerente ao serviço
público, principalmente quando o público-alvo é o estrangeiro. A verdade é
essa: tanto no Brasil como na Espanha, salvo poucas exceções, o que se testemunha
é muita má-vontade e falta de educação nessas repartições. Pronto. Está feito o
desabafo.
No último dia, para
fechar com chave de ouro, meu cunhado fez uma barbacoa (churrasco) no quintal para comemorar o aniversário da
minha irmã, que seria no dia seguinte. Estiveram presentes minha tia e tio que moram em Las Rozas, com a filha e o filho, o qual há pouco mais de um ano se
mudou para Paris e que também é tradutor. E, ainda, o tio e a irmã do meu cunhado. A conversa foi muito agradável e interessante, e boa parte dela girou em torno de curiosidades culturais e linguísticas. A comida também estava ótima e a sobremesa foi um "exótico" sagu de vinho feito por mim.
No dia 11/08 embarquei de volta para o Brasil. A viagem de volta para
casa foi muito boa, repleta de boas recordações, eu estava feliz e muito ansiosa para chegar a casa
e abraçar meu marido, filhos, e minha sogra que havia chegado há poucos dias
para nos visitar, e nossos cachorros, que são como crianças. Nem preciso dizer
que houve certo déjà-vu na viagem de
volta no que se refere à passagem pela alfândega. Desta vez as malas estavam
repletas de jamón, chorizo, Nutella, queso de tetilla, pipas, gominolas,
regaliz, mexilhões em escabeche, vinhos,
licor, leques, chocolate, presentinhos... e as famosas balinhas de Madrid — as violetas —, que, por incrível que pareça, custei a encontrar.
E para aumentar minha
biblioteca profissional, minha tia-patrocinadora me presenteou com duas
belíssimas obras: Hablamos la misma
lengua, de Santiago Muñoz Machado, um livro que aborda a história política
do espanhol na América desde conquista até as independências, e Los enemigos del traductor, da tradutora
Amelia Pérez de Villar, autora do blog De
libro y de hojas. O livro reúne uma série de reflexões sobre a profissão,
elogios e críticas do ofício.
Além dessas joias, trouxe
ainda uma figura muito representativa para colocar em minha mesa de trabalho,
para dar-me inspiração e coragem nas horas de desânimo ou cansaço: quem melhor
que o inexpugnável e destemido Dom Quixote?
Essa foi uma aquisição
de última hora. Estava eu já na fila de embarque quando vi centenas de Dom
Quixotes me encarando, pedindo para virem comigo para o Brasil. Mas, desse
exército de nobres cavalheiros, contentei-me com escolher apenas um!
Ei-lo aqui,
em minha escrivaninha, meu herói enderezador
de tuertos y deshacedor de agravios y
sinrazones, Don Quijote, ¡el loco más
cuerdo! (desfazedor de agravos e consertador de injustiças, Dom Quixote, o
louco mais sensato!).
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