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quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Resenha do livro Nós, de Yevgeny Zamyatin

Já aconteceu de você ler um livro há muito tempo e e desejar relê-lo, mas não conseguir lembrar-se do nome nem do autor? Pois foi o que aconteceu comigo com o livro em questão. A primeira vez que o li, eu tinha entre 12 e 13 anos, ou seja, isso foi entre 1986 e 1987, se não me falha a memória. Mesmo sem ter entender tudo literalmente, já que era uma leitura difícil para a minha idade, foi um daqueles livros que me marcou com sua prosa diferenciada e poética, e também com o enredo perturbador, daqueles que tira o leitor de sua zona de conforto.

Refiro-me a Nós, de Yevgeny Zamyatin (cujo nome é transliterado ao português como Eugene Zamiatin).

Primeiramente vou contar como aconteceu o déjà-vu... Como eu disse, fiquei com esse livro na memória, mas a única coisa que eu lembrava bem é que as personagens não tinham nome, e sim números. Além disso, eu sabia que o autor tinha um nome difícil, provavelmente russo. Parecia-me que tratava de autômatos, então achei que fosse Eu Robô, de Isaac Asimov, mas não... E assim fui procurando entre livros de robôs e ficção científica, e pesquisando na internet, sem sucesso.

Edição recente publicad pela Editora Aleph
Até que dias atrás, várias décadas depois, casualmente, ao navegar pelas publicações do Instagram, vi um post da Editora Aleph — que se destaca por publicar clássicos da literatura de ficção, repletos de robôs, espaçonaves e tudo o que faz a cabeça do público nerd. Figuram entre suas publicações autores como Philip K. Dick (Um Reflexo na Escuridão), William Gibson (Neuromancer), Isaac Asimov (Eu, Robô), Anthony Burgess (Laranja Mecânica), etc. — com a foto de uma capa de livro que chamou minha atenção, comecei a ler os comentários, e eis que deu aquele estalo: “não é possível!”, “será?”... Pois não é que se tratava do livro que eu procurava há tanto tempo?

Nem preciso falar que saí à caça da edição que havia lido de pequena, da Editora Anima, tradução do inglês de Lya Alverga Wyler, de 1983. Li uma versão em pdf que encontrei na internet, pois o preço do livro nos sebos é bastante salgado, já que se trata de uma edição esgotada para colecionadores.

Bom, agora que já falei do meu déjà-vu, vamos ao livro...


A versão que li e reli

Esta obra é considerada um romance distópico, uma distopia-mãe, inspiradora de outras obras importantes do gênero. Distopia é o contrário de utopia, ou seja, o contrário de uma sociedade ideal, uma organização social em que se vive em condições de insuportável opressão e controle. Assim, esta obra teria influenciado outras importantes obras do gênero, como 1984, de George Orwell (1948), e Admirável mundo novo, de Aldous Huxley (1930). Foi escrita em 1920 pelo escritor russo Yevgeny Zamyatin, e publicada originalmente em inglês, em Nova Iorque, em 1924, porque assim como a maioria dos intelectuais russos do final do século XIX, Zamyatin teve uma vida agitada, exposta ao perigo, a detenções, exílio, fuga, etc., primeiro foi encarcerado pelo regime czarista e, posteriormente, pelos bolcheviques. Em russo, Nós, só foi editado em 1952 e não na URSS, mas sim em Nova Iorque. Na URSS, Nós só viu a luz depois da Perestroika. Sendo assim, acredito que haja muito de suas experiências pessoais traduzidas nesta história.

A história se desenvolve no século XXX, na cidade de vidro e aço do Estado Único, uma sociedade aparentemente perfeita, em que todos formam uma unidade padronizada, extremamente regrada e “perfeita”. Os habitantes são números, não têm nomes, e sua vida se dá em função do Estado Único e do Bem-feitor, o qual promete a felicidade em troca da liberdade. A liberdade é vista como um mal que leva o homem ao crime, ao vício, ao extermínio. Por sua vez, a felicidade consiste em apagar toda a individualidade e viver guiado pela razão e pela exatidão matemática, em outras palavras, promove-se a desumanização. Os habitantes vestem uniformes, se alimentam à base de um derivado de nafta, vivem em apartamentos transparentes, de vidro, tutelados e vigiados pelo Estado Único, que controla todas as suas atividades diárias através das Tábuas dos Mandamentos Horários. Tudo é controlado, inclusive o sexo, que é visto como mero produto adquirido mediante cupons.

O protagonista, D-503, é um engenheiro, construtor do Integral, uma nave que levará a felicidade aos seres de outros planetas, ainda sujeitos à selvagem condição de liberdade, promovendo a integralização e a igualização de tudo o que existe. Sua missão é escrever para os leitores do passado um diário onde ele registra a forma de vida e o pensamento que sustentam essa sociedade perfeita. Entretanto, ele não esperava que tal diário testemunhasse a própria transformação.

Para não estragar a experiência da leitura, vou dizer apenas que a transformação se inicia quando o nosso protagonista conhece o amor.

“— Detesto o nevoeiro. Tenho medo do nevoeiro.
— Significa isso que gostas dele. Tens medo dele por ele ser mais forte do que
tu; odeia-lo porque tens medo dele; tens medo dele porque não podes deixar de te
submeter a ele. Porque só podemos amar o indomável.”

Ah, sim, mais uma coisa que vale a pena mencionar, Zamyatin fez parte de um grupo literário russo chamado Irmãos Serapion (que tomaram seu nome de uma personagem de E.T.A. Hoffmann. Este último, aliás, é autor de uma das melhores obras — em minha opinião — da literatura fantástica, O homem da areia. Aliás, esta observação me levou a reler esta obra, a leitura é de fato um vício...), que desde o início apoiaram a Revolução e que lutaram nas fileiras do Exército Vermelho. Desde o primeiro momento, reivindicaram o seu direito de escrever com liberdade. Essa tendência se manifestou através da experimentação formal na literatura, com rupturas na linguagem, sintaxe e incorporação de novos vocábulos precedentes do folclore russo. Zamiatin foi mentor dessa tendência, por isso as metáforas e os recursos de linguagem são muito inovadores, além disso, a narrativa é muito psicológica e onírica, o que cria uma atmosfera de sonho e delírio.

Referências: Wikipédia

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