Refiro-me a Nós,
de Yevgeny Zamyatin (cujo nome é transliterado ao português como Eugene Zamiatin).
Primeiramente vou
contar como aconteceu o déjà-vu...
Como eu disse, fiquei com esse livro na memória, mas a única coisa que eu
lembrava bem é que as personagens não tinham nome, e sim números. Além disso, eu
sabia que o autor tinha um nome difícil, provavelmente russo. Parecia-me que tratava de autômatos, então achei que fosse Eu
Robô, de Isaac Asimov, mas não... E assim fui procurando entre livros de
robôs e ficção científica, e pesquisando na internet, sem sucesso.
Edição recente publicad pela Editora Aleph |
Nem preciso falar que saí à caça da edição que havia lido de pequena, da Editora Anima, tradução do inglês de Lya Alverga Wyler, de 1983. Li uma versão em pdf que encontrei na internet, pois o preço do livro nos sebos é bastante salgado, já que se trata de uma edição esgotada para colecionadores.
Esta obra é considerada
um romance distópico, uma distopia-mãe, inspiradora de outras obras importantes
do gênero. Distopia é o contrário de
utopia, ou seja, o contrário de uma sociedade ideal, uma organização social em
que se vive em condições de insuportável opressão e controle. Assim, esta obra
teria influenciado outras importantes obras do gênero, como 1984,
de George Orwell (1948), e Admirável mundo novo, de Aldous Huxley (1930). Foi escrita em 1920
pelo escritor russo Yevgeny Zamyatin, e publicada originalmente em inglês, em
Nova Iorque, em 1924, porque assim como a maioria dos intelectuais russos do
final do século XIX, Zamyatin teve uma vida agitada, exposta ao perigo, a
detenções, exílio, fuga, etc., primeiro foi encarcerado pelo regime czarista e,
posteriormente, pelos bolcheviques. Em russo, Nós, só foi editado em 1952 e não na URSS, mas sim em Nova Iorque.
Na URSS, Nós só viu a luz depois da
Perestroika. Sendo assim, acredito que haja muito de suas experiências pessoais
traduzidas nesta história.
A história se desenvolve no século XXX, na
cidade de vidro e aço do Estado Único, uma sociedade aparentemente perfeita, em
que todos formam uma unidade padronizada, extremamente regrada e “perfeita”. Os
habitantes são números, não têm nomes, e sua vida se dá em função do Estado
Único e do Bem-feitor, o qual promete a felicidade em troca da liberdade. A
liberdade é vista como um mal que leva o homem ao crime, ao vício, ao
extermínio. Por sua vez, a felicidade consiste em apagar toda a individualidade
e viver guiado pela razão e pela exatidão matemática, em outras palavras,
promove-se a desumanização. Os habitantes vestem uniformes, se alimentam à base
de um derivado de nafta, vivem em apartamentos transparentes, de vidro,
tutelados e vigiados pelo Estado Único, que controla todas as suas atividades
diárias através das Tábuas dos Mandamentos Horários. Tudo é controlado,
inclusive o sexo, que é visto como mero produto adquirido mediante cupons.
O protagonista, D-503, é um engenheiro, construtor do
Integral, uma nave que levará a felicidade aos seres de outros planetas, ainda
sujeitos à selvagem condição de liberdade, promovendo a integralização e a
igualização de tudo o que existe. Sua missão é escrever para os leitores do
passado um diário onde ele registra a forma de vida e o pensamento que sustentam
essa sociedade perfeita. Entretanto, ele não esperava que tal diário testemunhasse
a própria transformação.
Para não estragar a
experiência da leitura, vou dizer apenas que a transformação se inicia quando o
nosso protagonista conhece o amor.
“— Detesto o nevoeiro. Tenho medo do nevoeiro.
— Significa isso que gostas dele. Tens medo
dele por ele ser mais forte do que
tu; odeia-lo porque tens medo dele; tens medo
dele porque não podes deixar de te
submeter a ele. Porque só podemos amar o indomável.”
Ah, sim, mais uma
coisa que vale a pena mencionar, Zamyatin fez parte de um grupo literário russo
chamado Irmãos Serapion (que tomaram
seu nome de uma personagem de E.T.A. Hoffmann. Este último, aliás, é autor de uma
das melhores obras — em minha opinião — da literatura fantástica, O homem da areia. Aliás, esta observação me levou a reler esta obra, a leitura é de fato um vício...), que desde o início
apoiaram a Revolução e que lutaram nas fileiras do Exército Vermelho. Desde o
primeiro momento, reivindicaram o seu direito de escrever com liberdade. Essa
tendência se manifestou através da experimentação formal na literatura, com
rupturas na linguagem, sintaxe e incorporação de novos vocábulos precedentes do
folclore russo. Zamiatin foi mentor dessa tendência, por isso as
metáforas e os recursos de linguagem são muito inovadores, além disso, a narrativa é muito
psicológica e onírica, o que cria uma atmosfera de sonho e delírio.
Referências: Wikipédia
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