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quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Tradução do conto "La luz es como el agua", de Gabriel García Márquez

Ilustração digital de Male Alonso

A luz é como a água (Gabriel García Márquez)
Tradução: Diana Margarita 

No Natal as crianças voltaram a pedir um barco a remo.
— Está bem — disse o pai, vamos comprá-lo quando voltarmos para Cartagena.
Totó, de nove anos, e Joel, de sete, estavam mais decididos do que seus pais imaginavam.
— Não — disseram em coro. — Precisamos dele aqui e agora.
— Para começar — disse a mãe —, aqui não há outras águas navegáveis além da que sai do chuveiro.
Tanto ela quanto o marido tinham razão. Na casa de Cartagena das Índias havia um quintal com um cais na baía, e um abrigo para dois iates grandes. Por outro lado, aqui em Madri viviam apertados no quinto andar do número 47 do Paseo de la Castellana. Mas finalmente nem ele nem ela puderam negar-se, porque lhes tinham prometido um barco a remo com seu sextante e sua bússola se ganhassem os louros do terceiro ano primário, e eles os ganharam. Por tanto o pai comprou tudo sem dizer nada à esposa, que era a mais resistente a pagar dívidas de jogo. Era um lindo barco de alumínio com um cordão dourado na linha de flutuação.
— O barco está na garagem — revelou o pai no almoço. — O problema é que não há como subi-lo nem pelo elevador nem pela escada, e na garagem não há mais espaço disponível.
No entanto, na tarde do sábado seguinte, os meninos convidaram seus colegas de turma para subir o barco pelas escadas, e conseguiram levá-lo até o quarto de empregada.
— Parabéns — disse-lhes o pai. — E agora?
— Agora nada — disseram os meninos. — A única coisa que queríamos era ter o barco no quarto, e pronto.
Na noite de quarta-feira, como todas as quartas, os pais foram ao cinema. Os meninos, donos e senhores da casa, fecharam portas e janelas, e quebraram a lâmpada acessa de um lustre da sala. Um jato de luz dourada e fresca como a água começou a sair da lâmpada quebrada, e o deixaram correr até o nível chegar a quatro palmos. Então cortaram a energia, tiraram o barco, e navegaram a gosto por entre as ilhas da casa.
Esta aventura fabulosa foi o resultado de uma distração minha quando participava de um seminário sobre a poesia dos utensílios domésticos. Totó me perguntou como era que a luz se acendia com somente apertar um botão, e eu não tive a ousadia de pensar duas vezes.
— A luz é como a água — respondi-lhe: abrimos a torneira, e ela sai.
De modo que continuaram navegando nas quartas-feiras à noite, aprendendo a lidar com o sextante e a bússola, até que os pais voltavam do cinema e os encontravam dormindo como anjos de terra firme. Meses depois, ansiosos por ir mais longe, pediram um equipamento de pesca submarina. Com tudo: máscaras, pés de pato, cilindros e espingardas de ar-comprimido.
— Não é certo que tenham no quarto de empregada um barco a remo que não lhes sirva para nada — disse o pai —. Mas é ainda pior que queiram ter também equipamentos de mergulho.
— E se ganharmos a gardênia de ouro do primeiro semestre? — perguntou Joel.
— Não — disse a mãe, assustada. — Chega.
O pai reprovou sua intransigência.
— É que estes meninos não ganham nem um prego por cumprir seu dever — disse ela —, mas por um capricho são capazes de ganhar até a cadeira do professor.
Os pais não disseram afinal nem que sim nem que não. Mas Totó e Joel, que tinham sido os últimos nos dois anos anteriores, ganharam em julho as duas gardênias de ouro e o reconhecimento público do reitor. Naquela mesma tarde, sem que os tivessem pedido novamente, encontraram no quarto os equipamentos de mergulho em sua embalagem original. De modo que na quarta-feira seguinte, enquanto os pais assistiam a O último tango em Paris, encheram o apartamento até a altura de duas braças, mergulharam como tubarões mansos por debaixo dos móveis e das camas, e resgataram do fundo da luz as coisas que durante anos se tinham perdido na escuridão.
Na premiação final, os irmãos foram aclamados como exemplo para a escola, e lhes deram diplomas de excelência. Desta vez não precisaram pedir nada, porque os pais lhes perguntaram o que queriam. Eles foram tão razoáveis, que somente quiseram uma festa em casa para receber os colegas de turma.
O pai, a sós com a mulher, estava radiante.
— É uma prova de maturidade — disse.
— Deus te ouça — disse a mãe.
Na quarta-feira seguinte, enquanto os pais assistiam a A Batalha de Argel, as pessoas que passaram pela Castellana viram uma cascata de luz que caía de um velho edifício escondido entre as árvores. Saía pelas sacadas, derramava-se em abundância pela fachada, e seguia pela grande avenida numa enxurrada dourada que iluminou a cidade até o Guadarrama.
Chamados com urgência, os bombeiros forçaram a porta do quinto andar, e encontraram a casa transbordante de luz até o teto. O sofá e as poltronas revestidos de couro de leopardo flutuavam na sala em diversos níveis, entre as garrafas do bar e o piano de cauda e seu xale de Tonquim que esvoaçava numa profundidade média como uma arraia de ouro. Os utensílios domésticos, na plenitude de sua poesia, voavam com suas próprias asas pelo céu da cozinha. Os instrumentos da banda militar, que as crianças usavam para dançar, flutuavam à deriva entre os peixes coloridos livres do aquário da mãe, os quais eram os únicos que flutuavam vivos e felizes no vasto pântano iluminado. No banheiro flutuavam as escovas de dentes de todos, os preservativos do pai, os potes de creme e a dentadura de reserva da mãe, e a televisão do cômodo principal flutuava de lado, ainda ligada no último episódio do filme da meia-noite proibido para crianças.

No fim do corredor, flutuando entre duas águas, Totó estava sentado na popa do barco, aferrado aos remos e usando a máscara, buscando o farol do porto até onde lhe permitiu o ar dos cilindros, e Joel flutuava na proa buscando ainda a altura da estrela polar com o sextante, e por toda a casa flutuavam seus trinta e sete colegas de turma, eternizados no instante de fazer xixi no vaso de gerânios, de cantar o hino da escola com a letra trocada por versos de deboche contra o reitor, de beber às escondidas um copo de brandy da garrafa do pai. Pois eles abriram tantas luzes ao mesmo tempo que a casa tinha transbordado, e todo o quarto ano fundamental da escola de San Julián el Hospitalario se afogara no quinto andar do número 47 do Paseo de la Castellana. Em Madri, na Espanha, uma cidade remota de verãos ardentes e ventos gelados, sem mar nem rio, e cujos aborígenes de terra firme nunca foram mestres na ciência de navegar na luz.


segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Ética na tradução

Recentemente deparei com duas situações que me fizeram refletir sobre a ética na prática tradutória e sobre os limites da interferência do tradutor no texto original. 

Sem entrar em detalhes, recebi uma solicitação de tradução acompanhada de uma sugestão por parte do gerente de projetos de substituir um termo por outro (por razões evidentemente políticas) alegando que o segundo lhe parecia mais honesto. Esse fato chamou minha atenção porque nunca tinha me acontecido algo assim. 

O que fiz? Respondi gentilmente dizendo que não podia agir dessa forma porque o autor do texto não havia escolhido o termo ao acaso e que, ainda que o tradutor discordasse das escolhas do autor, deveria respeitá-las, do contrário, estaria agindo de forma desonesta.
A outra situação que presenciei foi o uso de um termo politicamente correto, mas impreciso no texto em questão. Empregou-se o termo "gênero" — um conceito sociológico que se refere a papéis sociais —, num formulário que requeria uma distinção biológica: “sexo”. Essa confusão de conceitos é frequente devido ao medo de parecer preconceituoso, ou ainda, por acreditar que “gênero” seja mais elegante que "sexo". Neste caso, conversei com o cliente e, depois de explicar a diferença, ele consentiu a alteração.
Da mesma forma que em outras profissões, ocasionalmente os tradutores podem enfrentar dilemas éticos em seu dia a dia. Imagine um tradutor que receba uma solicitação de um partido político ao qual se opõe firmemente, ou um texto que critique sua religião, ou ainda, que promova práticas ilegais.
Além das questões morais ou legais descritas acima, pode ocorrer de o tradutor receber um texto perfeitamente legal, mas extremamente desagradável, que fira sua sensibilidade, como um texto que relate crimes bárbaros, tabus, etc. O que fazer nesses casos?
Antes de aceitar uma solicitação, é importante perguntar do que se trata. No entanto, uma vez que você tenha aceitado o pedido e se sinta desconfortável com o assunto abordado, seja por questões morais, ou por outros motivos, manifeste-se imediatamente, recusando o trabalho e expondo (ou não) suas razões.
Agora, se a discrepância não for tão grave a ponto de fazê-lo rechaçar o trabalho — como nos exemplos que relatei no início do texto —, seja objetivo, distancie-se do tema, e respeite as escolhas lexicais do autor. O bom tradutor deve ser capaz de traduzir fielmente textos que expressem opiniões contrárias à sua. Se você não for capaz de manter-se imparcial, recuse o trabalho.

sábado, 20 de janeiro de 2018

Acerca del libro "Los que vivimos", de Ayn Rand


¡Buenos días, queridos lectores!

Aquí en Brasil hoy es sábado, son las 8 de la mañana y ya estoy aquí, delante del ordenador, o de la computadora, como prefieran, dispuesta a escribir una reseña literaria…

Sé que me va a costar bastante, en primer lugar, porque lo voy a hacer en español cuando me resulta mucho más cómodo escribir en portugués; en segundo lugar, porque escribir una reseña crítica es un ejercicio subjetivo, que implica mucho más esfuerzo que discurrir a respecto de una norma gramatical. Podría mencionar otras dificultades, pero con estas me llega para afirmar que estoy saliendo de mi zona de confort y eligiendo el camino de las piedras. ¿Por qué lo hago? Porque creo que este libro se lo merece.

Me refiero al libro “Los que vivimos”, de Ayn Rand. Antes que nada, voy a ambientarlos un poco, es decir, voy a contextualizar la obra y a presentarles las razones que me llevaron a leerla. Quien me indicó este libro fue mi tía —que lee mucho y no indica cualquier tontería—, me dijo que era un libro precioso y que la historia estaba ambientada en la Rusia comunista, tras la revolución proletaria. Lo mejor, es que mi tía no destripó la historia, es decir, no dio spoilers (según Fundéu, la fundación del español urgente, es mejor destripe que spoiler), al contrario de mi otra tía que también me indicó un libro y, sin querer, me dijo cómo terminaba.

Pues resulta que mi familia tiene una experiencia muy estrecha con el comunismo, a punto de haber experimentado sus dificultades en su propia piel. La familia de mi madre logró huir de la Cuba comunista de Fidel Castro y mi padre logró huir de la Alemania comunista cuando aún se erigía el muro de Berlín. Así que forman parte de mi vida las narrativas de mis queridos padres —que en paz descansen—, sobre las amarguras que tuvieron que pasar. Entre las historias que dejaron más huella, recuerdo la de mi madre que nos contaba de cuando le dieron una manzana de regalo de Navidades, y del gusto con que la comió (no había dejado ni las semillas); de mi padre, lo que más me choca hasta hoy es el hecho de que haya estado más de 30 años sin ver a la hermana, la cual se quedó en el lado oriental.

Ayn Rand, la autora del libro, también sufrió las amarguras del comunismo en su propia piel, y adoptó este nombre al nacionalizarse norteamericana tras haber logrado huir con grandes riesgos de la Unión Soviética.

Como ya saben, no pretendo resumir la historia ni alardear sobre mis impresiones personales, mi única intención es despertarles el interés hacia este libro.

Les aseguro que es una historia que cala hondo. En portugués hay un adjetivo que viene como anillo al dedo para este tipo de obra: “envolvente”. Me gustaría que en español hubiera un adjetivo tan amplio como este, que en una sola palabra transmitiera la idea de abstraer, sumergir, emocionar, impresionar, etc.

En el prólogo del libro, Ayn Rand dice que escuchó por primera vez el principio comunista de que «el hombre debe vivir para el Estado» cuando tenía doce años, y que comprendió que ahí residía el mal. «Este principio era malo y (...) no podía conducir a nada que no fuera malo».

En las palabras de la autora, este libro es "tan cercano a una autobiografía como jamás escribiré". Sobre la trama del libro, les cuento solo lo esencial: Kira, la protagonista, es una mujer segura y confiada que lucha por mantener su esencia frente a un régimen totalitario que usa todo su aparato y poder para controlar la vida y los pensamientos de los individuos, asfixiando sus voluntades e ilusiones hasta convertirlos en instrumentos a su servicio. En medio de un trágico y arriesgado triángulo amoroso, Kira traiciona sus propios principios en nombre del amor, de la vida, y del amor a la vida. Hasta aquí llego yo.

¿Qué mejor que dejarles un fragmento para que se hagan una idea?

«—Y ahora, mírame, mírame bien —gritó ella—. He nacido para vivir, y podía vivir, y sabía lo que quería. ¿Qué crees que está vivo en mí? ¿Por qué piensas que vivo? ¿Porque tengo un estómago, y me alimento y digiero? ¿Porque respiro y trabajo, y soy capaz de ganar mi sustento? ¿O bien porque sé lo que quiero y cómo lo quiero? ¿No es eso la vida? ¿Y quién, en todo este maldito universo, puede decirme por qué tengo que vivir, si no es por lo que yo quiero? ¿Quién es capaz de contestar con palabras humanas que hablen a la razón humana? Nadie, ni tú tampoco. Pero ustedes tratan de decirnos lo que debemos querer. Han venido como un solemne ejército a traer a los hombres una vida nueva. Les han arrancado de las entrañas esa otra vida de la que no sabían nada, esa vida palpitante que no les interesaba, y les han dicho lo que debían pensar y lo que debían sentir. Les han arrebatado todas las horas, todos los minutos, todos los nervios, todos los pensamientos, todos los sentimientos hasta lo más profundo de su alma, y luego les han dictado lo que debían pensar y sentir. Han venido a negar la vida a los que vivimos. Nos han encerrado a todos en una jaula de hierro y después han sellado las puertas; nos han dejado sin aire, hasta que las arterias de nuestro espíritu han estallado».

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Significado da expressão espanhola "un chute de..."


Hoje vamos ver o significado da expressão espanhola un chute de..., que inicialmente surgiu como uma gíria no submundo das drogas, do inglês shoot up. Como verbo pronominal, chutarse significa injetar droga (ex.: Las marcas en sus brazos indicaban que se chutaba con frecuencia). Também temos o substantivo chute que significa injeção de droga (ex.: Habíamos visto a un tío prepararse un chute).

Com o tempo, esta gíria, inicialmente marginal, passou para outros contextos como expressão coloquial, perdendo o caráter negativo e assumindo, na maioria das vezes, um aspecto positivo. Atualmente, na Espanha, sua presença é frequente na mídia, na publicidade, e no dia a dia, em frases do tipo “estos alimentos te darán un chute de energia”, “tus elogios son un chute de autoestima para mí”, “esta película es un chute de adrenalina”, “ la propaganda penetra en las consciencias como un chute de morfina”, etc.