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terça-feira, 31 de outubro de 2017

Manolito, o tradutor aflito

Após um longo dia de trabalho traduzindo um romance policial, logo quando Manolito estava quase cumprindo sua meta diária de 3 mil palavras, eis que depara com um daqueles enigmas esfíngicos.

(Visualize)
O protagonista da história, detetive de polícia, liga para a chefa; mas, por desconfiar que há um infiltrado no departamento interceptando a conversa, diz apenas: “Há um X-9 aí, nos falamos por LIAME”.

Manolito contrariado: “LIAME? Que p* é essa?!”.

Se você acha que Manolito pode simplesmente desligar o computador e deixar para pesquisar o termo amanhã, está redondamente enganado. Tradutor que se preze sente comichão quando encontra um termo desconhecido. Você conseguiria dormir numa cama cheia de pulgas? É mais ou menos essa a sensação... Você vira para um lado, vira para o outro e a bendita palavra fica aí se alimentando do seu sangue.

Com os olhos fixos na tela, Manolito joga o termo no Google e aparecem várias ocorrências desconexas... Segundo o dicionário, liame é um elemento de ligação, nexo-causal, “será que está se referindo a um intermediário? Mas, se o detetive desconfia de uma araponga, não faz sentido procurar um intermediário... Além disso, está escrito em maiúsculas, portanto é uma sigla”; entre os resultados, aparece também uma expressão jurídica liame psicológico, que se refere a um vínculo subjetivo entre os agentes que cometem um crime... “não, não é isso”; Liame Associação de Apoio à Cultura… “também não”; na Wikipédia diz que em Lógica, um liame é um sinal alternativo que pode ser usado no lugar de variáveis quantificadas “aff... não”.

Começa a pesquisar por codificação, criptografia, espionagem, interceptação, linguagens secretas... Depois vai jogando novas combinações no Google “LIAME sigla”, “LIAME significado”, “LIAME investigação”, “LIAME código secreto”, etc. Inúmeras combinações depois, chega a LIAMES Línguas Indígenas Americanas. “Não, seria absurdo: nos falamos por Línguas Indígenas Americanas”...

Depois tenta refinar sua pesquisa usando combinações esdrúxulas “LIAME” + polícia; “LIAME” + segurança nacional, “LIAME” + FBI, “LIAME” + Interpol... Nada!

Lembra-se de consultar a tia, funcionária pública da área de segurança pública... Depois pensa em contatar diretamente o autor, imagina a mensagem... Tem receio de contatá-lo e infringir alguma regra editorial, mas sabe que não pode seguir adiante sem saber do que se trata...

A essas alturas Manolito já está exausto, seus neurônios estão entrando em curto, quando de repente... ele ouve uma voz sobrenatural e retumbante que clama: “PROCURE NO TEXTO, BISONHO!!!”. Manolito volta ao texto e, alguns parágrafos mais adiante, encontra a solução do enigma, ali, escancarada “LIAME é email ao contrário”! Manolito sente um calor que sobe por suas pernas, atravessa seu tronco e se instala sem cerimônia em suas bochechas.


A esposa pergunta solícita: “Tudo bem? Você está com calor? Quer que eu vire o ventilador para o seu lado?”. 


sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Poema: "Dicen que no hablan las plantas", de Rosalía de Castro


Dicen que no hablan las plantas, ni las fuentes, ni los pájaros,
Ni el onda con sus rumores, ni con su brillo los astros,
Lo dicen, pero no es cierto, pues siempre cuando yo paso,
De mí murmuran y exclaman:
Ahí va la loca soñando
Con la eterna primavera de la vida y de los campos,
Y ya bien pronto, bien pronto, tendrá los cabellos canos,
Y ve temblando, aterida, que cubre la escarcha el prado.

Hay canas en mi cabeza, hay en los prados escarcha,
Mas yo prosigo soñando, pobre, incurable sonámbula,
Con la eterna primavera de la vida que se apaga
Y la perenne frescura de los campos y las almas,
Aunque los unos se agostan y aunque las otras se abrasan.

Astros y fuentes y flores, no murmuréis de mis sueños,
Sin ellos, ¿cómo admiraros ni cómo vivir sin ellos?




Vídeo publicado no canal cervantesvirtual, no Youtube

Rosalía de Castro. "Dicen que no hablan las plantas, ni las fuentes, ni los pájaros". En las orillas del Sar. Marina Mayoral. Biblioteca de autora Rosalía de Castro. Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

La traducción de lenguaje especializado

Venga, hoy toca publicar en español, que ya hace tiempo que solo publico en portugués…

Cuando digo «lenguaje especializado», me refiero al lenguaje propio de determinada área de conocimiento, con su terminología y jergas peculiares. Al traducir ese tipo de lenguaje debemos tener cuidado con algunos aspectos particulares, como, por ejemplo, el empleo de sinónimos y la consulta a diccionarios generales.

En cuanto al uso de sinónimos, debemos entender que, por tratarse de un contexto especializado, las palabras pueden asumir connotaciones diversas que cuando se emplean en sentido general. Así que, aunque en el día a día podamos emplear informalmente «riesgo» y «peligro» como sinónimos en construcciones como «peligro/riesgo de accidentes», con la idea de mal inminente, lo mismo no sucede al traducir un documento sobre análisis de riesgos, por mencionar un ejemplo.

De una forma simple, en lenguaje especializado, un peligro es aquello que puede causar daños y perjudicar la salud, mientras un riesgo es la probabilidad (cuantificable) de que se materialice cierto peligro, implica el escenario total que llevará a un impacto. Por ejemplo, al beber y conducir se produce peligro de accidente y, por tanto, el riesgo o la probabilidad que este se produzca es inmenso. Cuanto menor sea el nivel de alcohol en la sangre, el riesgo o probabilidad disminuye, sin embargo, independientemente de que se produzca el accidente o no, el peligro sigue siendo el mismo.

Ahora resulta más fácil entender por qué se dice que el consumo de alcohol aumenta el «riesgo» (probabilidad) de infarto y que un balcón puede ofrecer «peligro» de caída (causar daño), ¿no?

Imaginaos el lío que se armaría si esos términos se emplearan indistintamente en un entrenamiento sobre riesgos laborales… De igual manera, cuando vemos algo como «pegajosidad» en un informe de una prueba sensorial de granos de arroz, por más que prefiramos «adherencia», no podemos sustituir el primero así, sin más ni menos, porque en el contexto de agricultura el término «pegajosidad» ya está asentado como parámetro de calidad.

En cuanto a la consulta a diccionario generales, me refiero a palabras que, cuando las vemos, nos hacen pensar «¿qué? esto no existe, me suena rarísimo», y que no encontramos en aquel diccionario que consideramos nuestro oráculo. Pero, ¡ojo!, el hecho de que no consten en dicho diccionario no significa que no se usen. En áreas especializadas y, sobre todo en el contexto de investigación, surgen a cada momento neologismos que tardan en ser recogidos por los diccionarios. Así que, para consultar términos especializados como «historización», «desubjetivación», «narrativizar», «actoralización», «re-presentándolo», «espacialización», «(im)posibilidad», «ser-para-otro», es preferible buscar en publicaciones semejantes que aborden el mismo tema o en glosarios y diccionarios especializados.  

Sobre la diferencia entre riesgo y peligro:
http://www.saludmental.info/Secciones/Trabajo/peligroriesgoenero06.htm

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Curisiodades linguísticas

Uma armadilha difícil de esquivar, ao traduzir um texto, refere-se às palavras familiares que, inadvertidamente, adquirem significados diversos de acordo com a região geográfica em que se empregam. 


Hoje me ocorrem dois exemplo de construções em espanhol que costumam causar confusão e que, por coincidência, constroem-se de modo semelhante, com o verbo dar e pronome de objeto indireto: "me da coraje" y "me da pena".

Quando falamos de "coraje", a primeira coisa que nos veem à mente é valentia, bravura, ousadia, certo? Certíssimo. Pois  na Espanha, sobretudo na Andaluzia — não sei se também em outros países hispanófonos —, usa-se ainda no sentido de raiva, para referir-se a algo enfadonho, que aborrece. Assim, dependendo do contexto, "me da coraje" pode equivaler a "me da rabia". 

Exemplos: "Me da coraje que me mientas", "Le da coraje que le reprochen delante de extraños".



Da mesma forma, a expressão "me da pena", em algumas regiões da América, como a América Central, Antilhas, Colômbia, México, Panamá e Venezuela, pode equivaler a "me da vergüenza" para referir-se a uma situação embaraçosa. 

Exemplos: "Me da pena hablar de mi intimidad", "A ella no le da pena que la vean usar faja".

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Expressão idiomática "Tener o estar con mono de"


Hoje vamos ver o significado de uma expressão bastante peculiar em espanhol, “Tener o estar con mono de algo”. Essas são as formas mais frequentes, com o verbo ter ou estar, mas existem outras variações como “superar un mono de” ou “quitar un mono de
Tener o estar con mono de algo” refere-se ao sentimento de nostalgia resultante da falta de um objeto de desejo, usa-se no sentido de “síndrome de abstinência”, muitas vezes relacionada a cigarro, açúcar, chocolate, ou drogas, mas pode referir-se a qualquer coisa que nos deixe "fisgados", "fissurados", "absortos", etc. 

E por que a alusão ao “mono”? Porque a pessoa que sofre de abstinência não consegue parar quieta, mexe-se, coça-se e como um “mono” (macaco).

Vejamos o que diz o Diccionario de la Lengua Española (DEL):

E agora, um exemplo de uso nas redes sociais e na mídia:

E um trecho da matéria publicada no jornal on-line El País sobre o sentimento de orfandade dos espectadores da série Game of Thrones, agora que acabou a 7.ª temporada. Quem gosta da série sabe bem o que é "tener un mono":


E, para terminar, "un mono supermono"! ou seja, "um macaco superfofo"!



Para ver mais expressões idiomáticas em espanhol com a palavra "mono/a", clique aqui.

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Tradução de textos turísticos


Ao traduzir textos turísticos, procuro manter o sabor local, afinal os turistas viajam pelo prazer de sair da rotina, de mergulhar em outra culturas, de experimentar o exótico e o diferente. Apesar da aparente simplicidade dos textos turísticos, sua tradução implica diversas dificuldades:

Nomes próprios de locais turísticos, topônimos, logradouros, etc.

Esse é um terreno movediço que costuma gerar muitas dúvidas entre os tradutores, já que não há uma regra pétrea para isso. Basta dar uma olhada por aí para ver que há diversos padrões adotados, alguns os traduzem, outros os transcrevem ou transliteram, isto é, os adaptam a outro sistema de caracteres; mas, de modo geral os topônimos costumam ser deixados na língua original ou se traduzem quando já existe uma forma assentada, como, por exemplo, Río de Janeiro, em espanhol, com acento no “i”.

Quando traduzo textos turísticos do português ao espanhol, geralmente mantenho os topônimos e nomes de locais turísticos em português, em itálico, para não descaracterizá-los, já que nos mapas, placas e guias turísticos, geralmente esses nomes aparecem em português. Além disso, faz parte da aventura turística arriscar-se a pedir informações na língua estrangeira.

Já pensou onde o turista pararia se perguntasse pela Sierra del Carpiño, em lugar da Serra da Capivara, ou se perguntasse pelo Peñasco del Mono, em lugar do Morro do Macaco, ou pelo pico del Sombrero del Obispo, em lugar de Chapéu do Bispo, não dá, né? Descaracterizaria totalmente o local. Por outro lado, alguns locais já tem sua tradução assentada, como Bahía de Todos los Santos, Pan de Azúcar, Cataratas del Iguazú, etc. Então, de modo geral, não traduzo nomes de topônimos ou locais turísticos, a não ser que receba orientação em contrário do cliente ou que já exista tradução assentada. Do mesmo modo, prefiro deixar o nome todo em português Palácio da Justiça, Museu de Arte da Bahia, Praça da Sé, Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, etc. a usar uma forma mista “Plaza de la Sé”.

Também prefiro não traduzir nomes de biomas e de paisagens regionais, tais como Mata das Araucárias, sertão, caatinga. Mas sim daquelas formações geográficas que existem em espanhol: mangue (manglar); floresta (selva); falésia (acantilado), etc. Se o nome do acidente geográfico faz parte de nome próprio, não traduzo (ex.: Mangue Seco).

Regionalismos e expressões culturais intraduzíveis

Diante de regionalismos ou expressões culturais intraduzíveis como capoeira, tacacá, forró, bumba meu boi, o que faço é usar a grafia original em itálico, acompanhada de uma breve descrição entre parêntesis, que possa passar uma ideia do que se trata: tacacá (caldo de tucupi con camarones secos y jambu, planta que anestesia ligeramente la lengua), açaí (extracto morado que se obtiene de las bayas de açaí), jangadas (pequeñas balsas artesanales con velas coloridas), etc.

Nomes de frutas, animais e plantas

Costumo usar os correspondentes em espanhol quando os há: peixe-boi (manatí); onça-pintada (yaguar); anta (tapir), sucuri (anaconda); castanha-do-pará (nuez de Brasil), caju (anacardo), etc., senão deixo em itálico acompanhado de uma breve descrição entre parêntesis, quando necessário.

Expressões idiomáticas e adjetivos

Nos textos turísticos predominam a função referencial (informativa) e a função conativa, pois se procura persuadir o leitor a conhecer um lugar ou a vivenciar um passeio ou uma experiência. Assim, abundam os adjetivos (cinematográfica, formidável, incomparável, aconchegante, etc.), expressões idiomáticas (de tirar o fôlego, porreta, arretado, preço de banana, agito, badalação, etc.), procuro adaptá-los de maneira que surtam o mesmo efeito na língua de chegada para que o resultado seja atraente e convidativo.

Tecnicismos

Geralmente os tecnicismos aparecem em experiências especializadas, tais como a prática de esportes radicais que incluem equipamentos e procedimentos específicos, como rapel, canoagem, arvorismo ou mergulho, ou ainda, experiências culinárias com ingredientes típicos e exóticos; turismo arquitetônico, ecoturismo e observação de aves, visitas especializadas com fins científicos ou profissionais a locais como vinhedos, instalações e plantas industriais, centros de pesquisa, etc., traduções mais complexas que requerem pesquisa de terminologia especializada.  

Agora que falamos um pouco das dificuldades correntes na tradução de textos turísticos, deu para ver que se trata de uma tarefa bastante desafiadora, mas também muito prazerosa, que permite colocar-se na pele do viajante e sentir o gostinho de aventura.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Entrevista com a tradutora Karina Jannini


Karina Jannini nasceu em São Paulo, é graduada em Francês e Português pela FFLCH-USP, fez especialização em tradução Alemão-Português, Francês-Português e pós-graduação em Língua e Literatura Italiana pela mesma faculdade. Traduz ficção, ensaios e fascículos de revistas para várias editoras.

Olá, Karina, em primeiro lugar, muito obrigada por aceitar dar esta entrevista, é um imenso prazer tê-la aqui no blog! Para começar, como foi que a tradução entrou em sua vida: por “acidente de percurso” ou você tinha claro que queria ser tradutora?
Karina Jannini – Eu é que agradeço a oportunidade, Diana! A tradução entrou em minha vida quando eu estava cursando a pós-lato sensu em tradução, mas desde o colégio já pensava em ser tradutora. Sempre me interessei por idiomas e me encantava com a ideia de um dia poder trabalhar com isso.

Quais são os idiomas com que trabalha e como surgiu a oportunidade de entrar para o mundo da tradução editorial?
Karina Jannini – Trabalho com alemão, francês e italiano. A oportunidade de entrar para o mundo da tradução editorial surgiu graças a meu professor de alemão na faculdade, João Azenha Jr., que me indicou para a Editora Martins Fontes. Depois disso, nunca mais parei de trabalhar com a tradução de livros.

Acho que todo tradutor literário é um amante dos livros e da literatura e encara o ofício mais como prazer. Por outro lado, não é fácil estabelecer-se nesse mercado, e a maioria dos profissionais acaba conjugando a tradução literária com outras atividades, como a tradução técnica, por exemplo. Você acha que é possível viver exclusivamente da tradução editorial no Brasil?
Karina Jannini – Houve um tempo em que consegui viver apenas de tradução literária. Havia mais demanda por parte das editoras, e o fato de eu trabalhar com mais de uma língua também me ajudou. Hoje está muito mais difícil e, paralelamente à tradução, dou aulas particulares de idiomas. É uma pena que a tradução literária não possa ser considerada uma profissão de dedicação exclusiva, pois exige muita pesquisa por parte do tradutor.


Conheci seu trabalho através do livro Quando finalmente voltará a ser como nunca foi, de Joachim Meyerhoff. Fale-nos um pouco dessa experiência e do processo tradutório, quais foram os primeiros passos antes de iniciar a tradução?
Karina Jannini – Gostei muito de traduzir esse livro. Não conhecia o autor e me identifiquei logo de início com seu estilo. Como ocorre na maioria das vezes, não tive tempo de ler o livro inteiro antes de começar a traduzi-lo, mas tive a oportunidade de apresentar alguns trechos do meu trabalho em uma oficina de tradução alemão-português e discutir algumas dúvidas com outros colegas tradutores. Esse feedback foi muito importante na hora de fazer algumas escolhas, sobretudo quanto ao tom que daria ao texto em português.

Sentiu-se pressionada pelo fato de ser uma obra premiada ou tentou não pensar nisso? Você teve algum contato com o autor?
Karina Jannini – Não, não me senti pressionada e não tive contato com o autor.

Quando li sua tradução, chamou minha atenção o fato de você privilegiar a norma culta, ainda nos trechos narrados pelo olhar de uma criança, além disso, você empregou as famigeradas notas de rodapé. Identifico-me com suas escolhas, pois acredito que acrescentaram qualidade ao resultado final. Você poderia justificar sua postura?
Karina Jannini – Embora o texto seja narrado da perspectiva de uma criança, a linguagem no original é de um adulto. Procuro sempre usar a norma culta quando não há nada que sugira o contrário no original. A língua escrita é diferente da falada, tem regras próprias para ser entendida porque não conta com a expressão facial, a gestualidade e a entonação de que dispomos na fala. Mesmo quando o texto de partida convida o tradutor a trazer a oralidade para a escrita, há um limite a ser respeitado para que o texto possa ser compreendido pelo leitor. Quanto às notas de rodapé, as editoras costumam exigir parcimônia dos tradutores, para que o texto não fique muito “poluído”. No entanto, em casos como o texto de Meyerhoff, em que há muitas referências culturais, as notas ajudam a elucidar o contexto e aproximar o leitor do ambiente em que se passa a história.


Tenho a impressão de que você é bastante perfeccionista. Estou certa? Você acha que isso atrapalha ou ajuda? Você leu sua tradução novamente depois de publicada? Ficou satisfeita com o resultado?
Karina Jannini – Sim, sou perfeccionista e acho que essa é uma característica de todo tradutor de textos escritos, principalmente literários, pois, ao contrário de um tradutor intérprete, por exemplo, temos a oportunidade de conviver mais tempo com o texto de partida. A tradução de um livro requer várias leituras, e nosso olhar muda a cada uma delas. Muitas vezes, a solução que achamos eficaz na primeira versão sofre alterações ao longo do trabalho e já não parece tão boa no final. É um processo de amadurecimento. Evito ler a tradução depois de publicada porque sempre me decepciono e encontro alguma solução melhor que não me ocorreu enquanto estava traduzindo. É uma sensação desagradável, geralmente acompanhada por um frio na barriga, que talvez seja um efeito colateral do perfeccionismo. Por outro lado, esse mal-estar me faz pensar que a tradução é uma atividade sempre aberta a novas leituras e soluções, e é isso que nos faz aprender e avançar.

Como se organiza quando está traduzindo uma obra, você tem uma meta de palavras ou horas diárias? E o que faz para relaxar durante um trabalho difícil?
Karina Jannini – Como cada texto apresenta uma dificuldade diferente, no início do trabalho costumo traduzir algumas páginas para ter uma ideia de quanto vou conseguir produzir por dia e, a partir disso, faço minha programação mensal. Por trabalhar em casa, procuro ser disciplinada. Gosto de começar o expediente cedo, mas geralmente não tenho hora certa para terminar. Para conseguir passar muitas horas na frente do computador, pratico natação pelo menos três vezes por semana. É um esporte que me ajuda não apenas com as dores na coluna, mas também a espairecer quando tenho um trabalho muito difícil pela frente. 

Diana - Você poderia comentar alguma dificuldade de tradução que tenha tirado seu sono neste livro em particular?
Karina Jannini – De modo geral, e não apenas neste livro, a principal dificuldade que encontro quando traduzo do alemão refere-se à sintaxe, que é muito diferente do português. Frases longas, com muitos incisos, são comuns em alemão, mas nem sempre podem ser transportadas para o português com a mesma estrutura. É um verdadeiro quebra-cabeça. O tradutor se vê diante do dilema de manter-se fiel ao original, mas produzir um texto artificial, ou desmontar essas superestruturas e tornar o texto de chegada mais espontâneo. Nessas horas, o bom senso é a regra.

Diana – Ao lidar com uma trama tão envolvente e íntima, que aflora sensibilidade, você se emocionou? Foi difícil desligar-se das personagens ao terminar a tradução?
Karina Jannini – Sim, muitas vezes me emociono com o que leio e espero conseguir transmitir a mesma emoção na tradução. Algumas vezes até sonho com as histórias que estou traduzindo. Porém, como costumo trabalhar com mais de um texto simultaneamente, não consigo reter os detalhes por muito tempo.

Diana – Do que você mais gosta no seu trabalho e quais são suas ambições?
Karina Jannini – O que mais gosto na tradução é a possibilidade de conhecer várias histórias, trabalhar com diversos tipos de texto, aprender e estudar sempre, conhecer mundos completamente diferentes e tentar trazê-los para a minha realidade. Não tenho ambições, apenas o desejo de poder continuar fazendo esse trabalho e, se possível, traduzir livros que me encantam, mas continuam desconhecidos do público brasileiro.

Diana – Para finalizar, qual seria sua dica para aqueles que pretendem se dedicar à tradução editorial?
Karina Jannini – Em primeiro lugar, aconselho que se dediquem a mais de uma língua estrangeira, pois é muito difícil viver de tradução literária dominando apenas um idioma, mesmo quando se trata dos mais procurados, como o inglês e o espanhol. Versatilidade é fundamental. Em segundo, ter curiosidade, muita leitura e se interessar por diversos temas. A tradução é uma caixinha de surpresas. Quando menos esperamos, deparamos com um texto que traz um vocabulário ou tema que nunca imaginaríamos traduzir um dia.

Obrigada mais uma vez, Karina, e parabéns pelo excelente trabalho!

Eu é que agradeço a oportunidade!


Obras traduzidas:

Alemão-português:
Asmus, Sylvia & Eckl, Marlen (orgs.). “... olhando mais para frente do que para trás...” – O exílio de língua alemã no Brasil 1933-1945 (publicação bilíngue). Berlim, Hentrich & Hentrich, 2013.

Barreau, Nicolas. O sorriso das mulheres. Campinas, Verus, 2013.

Biallowons, Simon. Francisco – o papa do povo. São Paulo, Pensamento, 2013.
           
Dahlke, Rüdiger. Minhas melhores dicas de saúde – manual prático de qualidade de vida. São Paulo, Cultrix, 2012.

Dahlke, Rüdiger & Kaesemann, Vera. A doença como linguagem da psique infantil. São Paulo, Pensamento-Cultrix, 2014.

Dobelli, Rolf. A arte de pensar claramente – como evitar as armadilhas do pensamento e tomar decisões de forma mais eficaz. Rio de Janeiro, Objetiva, 2013.

Enders, Giulia. O discreto charme do intestino. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2015.

Frutiger, Adrian. Sinais e símbolos – Desenho, projeto e significado. São Paulo, Martins Fontes, 1999.

Fürst, Alfons (org.). Paz na Terra? As religiões universais entre a renúncia e a disposição à violência. Aparecida (SP), Ideias & Letras, 2009.

Goga, Susanne. Mistério em Chalk Hill. São Paulo, Pensamento-Cultrix/Jangada, 2017.

Habermas, Jürgen. O futuro da natureza humana. São Paulo, Martins Fontes, 2004.

Haug, Wolfgang Fritz. Considerações extemporâneas sobre o Manifesto Comunista. In: Estudos Avançados. São Paulo, Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, 1998. v. 12, n. 34, pp. 73-76.

Hochuli, Jost. O detalhe na tipografia. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2013.
           
Jellouschek, Hans. Espelho, espelho nosso – encontros e desencontros refletidos em contos de fadas e mitos. Campinas, Verus, 2013.

Landeweer, Gert Groot. Introdução à terapia craniossacral – Manual prático para desfazer os bloqueios do seu corpo. São Paulo, Cultrix, 2013.

Meyerhoff, Joachim. Quando finalmente voltará a ser como nunca foi. Rio de Janeiro, Valentina, 2016.
           
Neuhaus, Nele. Branca de Neve tem que morrer. São Paulo, Jangada, 2012.
______. Lobo mau. São Paulo, Jangada, 2014.

Nietzsche, Friedrich. Sabedoria para depois de amanhã. São Paulo, Martins Fontes, 2005.

Nöstlinger, Christine. Konrad – O menino da lata. São Paulo, Biruta, 2013.

Pauli, Lorenz. Pode levar! São Paulo, Biruta, 2013.

Raabe, Melanie. Armadilha. São Paulo, Pensamento-Cultrix/Jangada, 2016.

Reemtsma, Jan Philipp. Memórias de um sequestrado. São Paulo, Martins Fontes, 1999.

Scheunemann, Frauke. Hércules: o cupido de quatro patas. São Paulo, Jangada, 2013. [Tradução realizada em parceria com Cristiano Zwiesele do Amaral.]

Schopenhauer, Arthur. A arte de insultar. São Paulo, Martins Fontes, 2003.
______. Fragmentos sobre a história da filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 2007.
______. A arte de envelhecer ou Senilia. São Paulo, Martins Fontes, 2012.
______. Sobre a morte. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2013.

Spyri, Johanna. Heidi – a menina dos Alpes, volume 1: tempo de viajar e aprender. Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2016.
______. Heidi – a menina dos Alpes, volume 2: tempo de usar o que aprendeu. Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2016.

Stamm, Peter. Agnes. São Paulo, Berlendis & Vertecchia Editores, 2002.

Steinhöfel, Andreas. Rico e Oskar – mistério e macarrão. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2013.

Ullrich, Volker. Adolf Hitler. Volume 1: Os anos de ascensão – 1889-1939. São Paulo, Amarilys, caps. 18-21, 2016.

Wahrig-Burfeind, Renate (org.). Wahrig. Dicionário semibilíngue para brasileiros – Alemão. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2011.

Zimmer, Robert. O portal da filosofia – Uma breve leitura de obras fundamentais da filosofia. Volume 2. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2014 (tradução feita em parceria com Rita de Cássia Machado).

Francês-português:
Aviões de combate a jato. São Paulo, Editora Planeta DeAgostini do Brasil, 2011.

Banham, Reyner. Los Angeles – A arquitetura de quatro ecologias. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2013. (Tradução da biografia e dos anexos.)

Bourdin, Françoise. Mensagem no jardim. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2009.

Duquesne, Jacques. Maria – A mãe de Jesus. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2005.

Demurger, Alain. Os templários – Uma cavalaria cristã na Idade Média. Rio de Janeiro, Difel, 2007.

Encrevé, Pierre & Lagrave, Rose-Marie (orgs.). Trabalhar com Bourdieu. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2005.

Ferry, Luc. O que é uma vida bem-sucedida? Rio de Janeiro, Difel, 2004.
_____. Kant – Uma leitura das três “Críticas”. Rio de Janeiro, Difel, 2009.
_____. Diante da crise. Materiais para uma política de civilização. Rio de Janeiro, Difel, 2010.

Lœvenbruck, Henry. O testamento dos séculos. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2009.

Moser, Walter. Estudos literários, estudos culturais: reposicionamentos. In: Literatura e sociedade. São Paulo, Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1998. n. 3, pp. 62-76.

Vial, Claude. Vocabulário da Grécia antiga. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2013.

Wiesel, Elie. O caso Sonderberg. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2010.

Italiano-português:
Ammaniti, Niccolò. Como Deus manda. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2009.

Barelli, Ettore & Pennacchietti, Sergio (orgs.). Dicionário das citações. São Paulo, Martins Fontes, 2001.

Bassani, Giorgio. Os óculos de ouro. São Paulo, Berlendis & Vertecchia Editores, 2002.

Betti, Emilio. Interpretação das leis e dos atos jurídicos. São Paulo, Martins Fontes, 2007.

Bosco, Federica. Sou louca por você. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2010.

Coleção Smurfs. São Paulo, Editora Planeta DeAgostini do Brasil, 2013, fascículos 1 a 5.

Construa e pilote Lamborghini Reventón – radiocontrolada e com motor de explosão, escala 1:10. São Paulo, Editora Planeta DeAgostini do Brasil, 2012, fascículos 21 a 65.

D’Adamo, Francesco. A história de Iqbal. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2016.

D’Aragona, Tullia. Sobre a infinidade do amor. São Paulo, Martins Fontes, 2001.

D’Avenia, Alessandro. O que o inferno não é. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2017.

Forgione, Francesco. Máfia Export. Como a ’Ndrangheta, a Cosa Nostra e a Camorra colonizaram o mundo. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2011.

Fusini, Nadia. Sou dona da minha alma. O segredo de Virginia Woolf. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2010.

Maffettone, Sebastiano & Veca, Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. São Paulo, Martins Fontes, 2005.

Saniee, Parinoush. Escondi minha voz. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2017.

Prodi, Paolo. Uma história da justiça. São Paulo, Martins Fontes, 2005.

Volpi, Franco. Introdução. In: Schopenhauer, Arthur. A arte de se fazer respeitar ou o tratado sobre a honra. São Paulo, Martins Fontes, 2003.
_____. Introdução. In: Schopenhauer, Arthur. A arte de lidar com as mulheres. São Paulo, Martins Fontes, 2004.


Wolf, Mauro. Teorias das comunicações de massa. São Paulo, Martins Fontes, 2003.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Meu perfil literário

Hoje eu gostaria de compartilhar com vocês meu perfil literário, se é que se podem chamar assim os gêneros e tipos de livros que fazem minha cabeça e meu <3. Acho que para desfrutar de uma boa leitura, como de tudo na vida, é preciso um equilíbrio entre razão e emoção. Se racionalizamos demais, perdemos a poesia; por outro lado, se nos deixamos levar somente pela emoção, corremos o risco de cair na pieguice, em impressões superficiais que não passam de “gostei” ou “não gostei”.

É claro que não há como evitar a empatia, que segundo o Houaiss é a “capacidade de projetar a personalidade de alguém num objeto, de forma que este pareça como que impregnado dela”, ou seja, é inevitável que procuremos identificar-nos na obra que lemos, que nos coloquemos no lugar do narrador e das personagens, isso é ótimo, mas acho que ganhamos mais quando conseguimos extrapolar essa intimidade e acompanhá-la de uma leitura crítica, procurando conexões com a realidade, com outras obras, analisar a parte estética, a forma como se desenvolve a narrativa, a perspectiva, o ritmo... enfim, há muito que apreciar num bom livro.

Sou uma leitora meticulosa, chata até, gosto de ler tudo: a capa, a contracapa, as orelhas, as informações sobre a edição e impressão, quem traduziu, quem editou, quem fez a capa, eu gosto de saber mais sobre os bastidores por trás da publicação de um livro. Gosto de ler o prefácio, as notas de rodapé, tim-tim por tim-tim... E quando o livro me envolve, vou além, procuro as resenhas críticas, as conexões com outras obras, a biografia do autor, informações do tradutor, eu gosto disso tudo!

Comecei a ler quando era ainda muito pequena e, sem dúvida alguma, minha mãe foi a grande responsável por essa paixão, pois foi ela quem me alfabetizou. Comecei lendo os clássicos contos de fadas dos irmãos Grimm e Hans Christian Andersen, também adorava gibis: Tio Patinhas, Pato Donald, Turma da Mônica, Mortadelo y Filemón, Condorito, etc. Mas o livro que mais mexeu comigo foi um livro de Oscar Wilde, que minha mãe me deu de presente quando eu tinha uns nove anos, e que reunia contos como “O príncipe feliz”, “O gigante egoísta”, “O rouxinol e a rosa”, “O aniversário da infanta”, são alguns dos que me lembro. Quando eu lia esses contos eu sentia uma inquietação, porque eram histórias tão bonitas, mas profundamente tristes, bem diferentes daquelas histórias de contos de fadas em que todos viviam felizes para sempre. Reli esses contos dezenas de vezes, e gostava de lê-los para minha irmã menor, porque tinham um tom sombrio e tenebroso que eu adorava. (Livros que marcaram minha infância)

Bem mais tarde, já na faculdade, ao ler o prefácio de Cromwell, de Vitor Hugo, Do grotesco e do sublime, pude entender melhor esse fascínio da fusão entre o belo e o feio.

Para não estender-me demais, deixarei que minhas leituras falem por mim.

Tenho uma queda por...

... clássicos!

Adoro clássicos simplesmente porque são a cereja do bolo, nada é clássico por acaso, as coisas se tornam clássicas porque marcam época, revolucionam, quebram paradigmas, sobressaem...

Meus clássicos preferidos

Em primeiro lugar, sem dúvida, Dom Quixote. Acho que se há uma obra que abrange a literatura universal é essa, porque além de despertar a reflexão para os valores humanos essenciais como a liberdade e a justiça, é pai e mãe do romance moderno, ali estão reunidos muitos tópicos de teoria literária como a intertextualidade, o diálogo com o leitor, Cervantes se move com muita destreza pelo terreno da metaliteratura, ele faz literatura sobre a literatura, ele deixa a ficção escancarada ao leitor, o que é muito interessante. Além de ser um livro carregado de ironia, sarcasmo, reflexão, e muitas aventuras.

Outros clássicos que estão entre meus preferidos: A Metamorfose, de Kafka; Madame Bovary, de Flaubert; O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson; As Flores do Mal, de Baudelaire; O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger; as obras de Machado de Assis e de Jorge Luis Borges.

Livros que me emocionaram

O Sol Nasce para Todos, de Harper Lee; O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint´Exupéry; O Retrato de Doryan Gray, de Oscar Wilde, e seus contos, como comentei acima; La Ciudad y los Perros, de Mario Vargas Llosa; As Meninas, de Lígia Fagundes Telles; Los Santos Inocentes e El camino, de Miguel Delibes; A Legião Estrangeira, de Clarice Lispector; Lavoura Arcaica, de Raduam Nassar.

Livros que me fisgaram

Travesuras de la niña mala, de Mario Vargas Llosa; La sombra del viento, de Carlos Ruiz Zafón; Os Mentirosos, de Emilie Lockhart; La chica del tren, de Paula Hawkings, de Quando finalmente voltará a ser como nunca foi, de Joachim Meyerhoff.

Livros que me intrigaram

Frankestein, de Mary Shelley; A ilha do Dr. Moureau, de H.G. Wells; La invención de Morel, de Adolfo Bioy Casares; Laranja Mecânica, de Anthony Burgess.

Contos que me fascinaram

Todos os de Edgar Allan Poe; os de Oscar Wilde; de Julio Cortázar; de Machado de Assis; de Moacir Sclyar; de Clarice Lispector; de Jorge Luis Borges; O homem de areia, de E.T.A. Hoffman; La muñeca reina, de Carlos Fuentes; El ahogado más hermoso del mundo, de Gabriel García Marques.

Leituras que me decepcionaram

Algumas obras, apesar de toda a fama e do prestígio que carregam, não corresponderam às minhas expectativas. Macunaíma, de Mário de Andrade, li-o duas vezes; da primeira, até que gostei, porque foi no ensino médio e encarei de uma forma mais lúdica; da segunda, achei muito enfadonho e não gostei da imagem que faz do brasileiro como herói sem nenhum caráter; O Coração das Trevas, de Joseph Conrad, deixou-me frustrada pois não senti a mínima empatia pelo protagonista, talvez algum dia eu tente lê-lo novamente; Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marques, achei muito maçante as eternas repetições de geração para geração, tem muitas passagens bonitas e poéticas, mas não fluiu, não foi uma leitura prazerosa; e finalmente Vá, coloque um vigia, de Harper Lee, que seria a continuação de O Sol Nasce para Todos e que como um balde de água fria transforma a esperança e o ideal de justiça do primeiro livro em cinismo e hipocrisia.

Quanto ao meu hábito de leitura

Ultimamente prefiro ler livros em formato digital a lê-los em papel, habituei-me ao Kindle, é leve, coloco uma fonte bem grande, porque como trabalho o dia inteiro no computador, tenho a vista cansada. O livro eletrônico também economiza espaço físico, fico pensando no espaço que ocupariam as centenas de livros que carrego no dispositivo... O recurso que mais me agrada na leitura digital é a facilidade de colocar o dedo sobre uma palavra e poder ver seu significado no dicionário. Esse recurso é perfeito para mim, porque me incomoda profundamente seguir adiante sem saber o significado de alguma palavra, então nada mais prático. O único “defeito” do leitor digital é que despertou um pouco meu lado consumista, tenho de me segurar para não sair comprando livros feito doida, porque é muito fácil, é só clicar no botãozinho “comprar com 1 click” e, em alguns segundos, já está lá no dispositivo. O resultado disso é um montão de livros e a indecisão sobre qual será a próxima leitura.

Leio praticamente o dia inteiro, mas não livros, textos na internet, um link leva a outro, que leva a outro, fico pesquisando assuntos da área de tradução, visitando os blogs de colegas da área, pesquisando terminologia, mas quanto aos livros mesmo, leio quando posso, geralmente à noite, após o trabalho, ou após o almoço, bem menos do que eu gostaria, é verdade, mas nem só de leitura vive o homem.

Minha leitura atual?

Por quem dobram os sinos, de Ernest Hemingway.

Qual será a próxima?

E agora? Essa pergunta é muito difícil, passo. Deu vontade de ler novamente aquele livro de contos de Oscar Wilde, ou talvez, Um copo de cólera, de Raduam Nassar; ou 1984, de George Orwel; ou La guerra del fin del mundo, de Mario Vargas Llosa; ou El hombre en el castillo, de Philip K. Dick; ou...  

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Minha primeira experiência com tradução literária - 2ª parte

Há praticamente um mês, publiquei a primeira parte da série “Minha primeira experiência com tradução literária” — experiência essa que eu pretendia descrever da forma mais profissional e objetiva possível; mas, como não poderia deixar de ser, o resultado foi o oposto, o mais subjetivo, descontrolado e sincero possível. Recapitulando: junho de 2016 > férias com a família > parque aquático > tobogã “Insano” > proposta para fazer um teste de tradução literária > realização do teste > ataque de nervos > aprovação no teste!

Quando soube que traduziria literatura infantojuvenil, confesso que pensei “ah, que bom, literatura infantojuvenil deve ser mais fácil que literatura adulta”. Ledo engano! Logo vi como havia sido ingênua. Já no teste, pude sentir o gostinho do que estava por vir. Logo nas primeiras páginas, surgiram as primeiras dúvidas, “e agora, como traduzo ‘mamá’?”. Por minha própria experiência como mãe de dois adolescentes meninos não costumo ouvir “ma-mãe”. No norte do país, sim, ouve-se muito “mamãe”, “vovó” e “titia” e na música do Titãs, mas fora isso, é uma forma regional ou infantil, por isso, optei por “mãe”. Somente para ilustrar, essa foi uma das dúvidas mais simplórias, logo vieram outras mais tensas que comentarei mais adiante.

Uma vez superada a adrenalina inicial do teste e a estupefação de ver um sonho tornar-se realidade, veio a parte prática: a parte em que arregaçamos as mangas e colocamos as mãos na massa.

O primeiro livro que traduzi do espanhol para o português para a Editora Edebê foi La nueva vida del señor Rutin (A nova vida do senhor Rutin). 

Minha primeira atitude foi procurar informação a respeito de David Nel.lo, o autor. Soube que é um escritor e músico catalão, de Barcelona, que já conquistou vários prêmios como autor de obras infantojuvenis. 

O livro em questão recebeu o Prêmio Edebé de Literatura Infantil. A seguir fui saber do senhor Rutin... o senhor Rutin é sueco, nasceu em Visby, na ilha de Gotland, é claro que eu fui procurar imagens e informação sobre Visby e constatei que é uma cidade com aspecto medieval, cercada de muralhas de pedra e repleta de chalés e canteiros de flores, um encanto de cidade! E então fiquei sabendo que o escritor passou uma temporada no Centro de Escritores e Tradutores de Visby e, a seguir, uma temporada no Centro Internacional de Escritores e Tradutores na ilha de Rodas, na Grécia. Assim, nas palavras dele, a Suécia foi a fonte de inspiração do livro e a Grécia o laboratório onde foi escrito.
Visby, na ilha de Gotland (Suécia)

Essa pesquisa serviu para ambientar-me no livro, mergulhar em sua atmosfera e estabelecer conexões. Realizada essa primeira pesquisa, senti-me mais preparada para encarar o desafio.

Acho que todo o mundo se pergunta se o tradutor lê o livro antes de traduzi-lo, no mundo ideal seria legal poder fazer isso; porém, no mundo real, precisamos cumprir prazos e não há tempo para fazer uma leitura prévia à tradução. Assim, fui lendo e traduzindo, e sentindo o prazer de acompanhar a história paralelamente à tradução, sem spoilers, o que é muito prazeroso, você se envolve com a história e vai dormir desejando saber o que vai acontecer no próximo capítulo.

Mas vamos aos aspectos linguísticos e tradutórios... uma coisa que tirava meu sono no início era a dicotomia entre coloquialismo e língua formal. Como profissionais da área de línguas e comunicação, acho que devemos zelar sempre pela norma, por outro lado, para que a comunicação seja eficiente, precisamos considerar o público alvo e o a função do texto com o qual estamos lidando. No texto literário prevalece a função poética, isto é, a ênfase recai no próprio texto, na forma como se dizem as coisas, o texto literário é um objeto estético. Vieram à tona algumas questões vistas na faculdade sobre estrangeirização e domesticação, fidelidade, correspondências, etc. Nesse sentido, ajudou-me bastante o livro de Paulo Henriques Britto, A Tradução Literária, com cuja ideologia me identifico, uma frase dele que representa bem seu pensamento é a seguinte:

“Quando leio um romance de Dostoievski em português, quero encontrar no texto uma série de marcas que a assinalem como uma obra russa —  as distâncias expressas em verstas, as quantias expressas em rublos e copeques, os personagens tratando-se por primeiro nome e patrônimo ou por diminutivos de segundo ou terceiro grau —  e como uma obra de Dostoievski —  com a pluralidade de vozes, a intensidade emocional, até mesmos os excessos de veemência que alguns críticos apontam na obra do autor. Mas quero, ao mesmo tempo, que o texto em português seja de algum modo uma apresentação, uma versão de Dostoievski, e não um comentário, uma paródia, uma glosa do romance original. Em suma: uma tradução que respeite o que há de estrangeiro, e de estranho, no original, proporcionando-me a ilusão de que estou lendo uma obra de Dostoievski, mas que seja também um romance em português, e não uma peça metalinguística — e portanto um não-romance — construída sobre o texto de Dostoievski.”

Outro tradutor em quem me inspiro e com cujos pensamentos me identifico é Carlos Nougué, ele foi meu professor, e não me esqueço de suas palavras quando dizia que o tradutor deve ter uma fidelidade canina para com o original. 

Mas voltando à questão entre a norma e a coloquialidade, compreendi que, em se tratando de literatura, não há uma luta entre o bem e o mal, os dois conceitos são complementares e essenciais. Para uma tradução bem-sucedida de diálogos e de texto narrativo, é fundamental o conceito da verossimilhança, ou seja, a sensação de que aquilo que estamos lendo é real e de que os personagens de fato estão “falando”. Para conseguir esse efeito, precisamos reproduzir a distância entre a língua escrita e a língua falada, com todos os desvios e vícios que esta última carrega, precisamos sair da nossa zona de conforto e usar a criatividade, num esforço constante para encontrar a medida certa, somos obrigados o tempo todo a tomar decisões e a fazer escolhas. A tal visibilidade do tradutor, em minha opinião, resume-se a isso: suas escolhas.

Deixando a paranoia teórica um pouco de lado, como complexidade pouca é bobagem, tinha de haver uma dificuldade extra para a empresa ficar mais desafiante, foi então que o senhor Rutin decidiu que sua rotina metódica e regrada estava tornando-se monótona e resolveu se autoimpor um desafio de ordem linguística que revolucionaria seu modo de falar. O que mais poderia ser? Nada de mais, só para zoar um pouco com a pobre da tradutora...

Ai, que saudades dessa história querida! Pois é, nem só de dificuldades vivem os tradutores, esse foi sem dúvida o trabalho mais gratificante que já realizei, se é que pode chamar-se trabalho. Além do prazer de traduzir, pude sentir o gostinho de voltar a esse lugar lindo e inspirador chamado infância.

Espero vocês na terceira parte da saga, até lá!