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segunda-feira, 27 de junho de 2016

Entrevista com a tradutora Lineimar Martins sobre o lançamento de seu livro "Memórias de uma Suburbana 'dura' que decidiu morar na Europa"

Lineimar Martins, autora de "Memórias de uma suburbana
‘dura’ que decidiu morar na Europa

Diana – Olá, Lineimar! Em primeiro lugar quero agradecer sua participação e dizer que é um grande prazer tê-la novamente aqui no blog. Para quem ainda não leu sua entrevista, Lineimar Martins é franco-brasileira, doutora em antropologia, tradutora de francês e escritora. Aliás, foi esta última qualidade que motivou a presente entrevista. Ela acaba de publicar seu livro “Memórias de uma suburbana ‘dura’ que decidiu morar na Europa”. O que a motivou a querer contar essa história?

Lineimar Vários fatores me levaram a escrevê-la. Há alguns anos, recebi o diretor de uma editora brasileira em Lyon, onde morava. Já naquela época ele havia me sugerido escrever sobre minha decisão de largar tudo no Brasil e vir para a Europa, sem dinheiro e sem conhecer ninguém aqui, dizendo que esse assunto poderia interessar a muita gente. Sugeriu também colocar uma pouco de humor, para que ficasse uma leitura leve. Na época, eu não estava muito convicta, na verdade estava no meio dos meus estudos de etnologia, envolvida com outro tipo de escritura, mais acadêmica, mas a ideia ficou. Hoje, passados quase vinte anos dessa conversa, levo uma vida muito diferente. A sugestão dele começou a fazer sentido. Porque me sinto em paz comigo mesma, quis mostrar àqueles que vão ler o livro o quanto é importante ter sonhos, acreditar neles, mesmo que seja necessário colocar toda nossa energia em sua realização, que foi o que fiz vinte e quatro anos atrás. Enfim, uma razão secundária, mas também importante, é contradizer a todos os que subentenderam que tive sorte na vida e mostrar que tudo o que conquistei foi com determinação e trabalho.

Diana - Conte-nos um pouco sobre o processo de “gestação”

LineimarFoi um longo processo. Desde que a crise atingiu a editora com a qual trabalho, o fluxo de minhas traduções diminuiu sensivelmente. Como acho que o tempo é um bem raro e deve ser aproveitado intensamente, comecei a pensar em como usá-lo de um modo produtivo. Lembrei-me dessa conversa com o tal editor. O mais difícil foi achar o tom e o fio condutor da história.  Ouvi outro dia, num programa literário, alguém dizer que toda história merece ser contada, o mais importante é saber contá-la. Como não sou rica, nem famosa, nem fiz nenhuma grande descoberta revolucionária, teria que encontrar um gancho atrativo que envolvesse o leitor. Havia até pensado em escrever como se fosse meu filho contando minha história depois da minha morte, utilizando o ela no lugar do eu. Mas além de macabro... rsrs, o exercício seria mais complicado. Depois me perguntei que momento seria pertinente para começá-la: na infância, na morte da minha mãe, que foi um novo ponto de partida para mim, na chegada aqui... então me lembrei dessa conversa com meu ex-namorado.  Sem eu perceber, ela me marcou, pois lembro exatamente de tudo, até do rosto dele dizendo isso. Foi mesmo um desafio que ele, sem querer, colocou quando duvidou de mim. E como não podia deixar de ser, “antropologizei” a história, contextualizei as situações para dar uma maior densidade e um interesse sociológico com alguns insights sobre questionamentos pessoais, sobre o determinismo social, sobre o quanto o olhar dos outros pode nos influenciar na vida. Depois que encontrei o tom, foi muito rápido.

Diana – Agora que você já falou da “gestação”, diga-nos como foi o “parto”? ...rss  Foi difícil trazer a obra à luz, publicá-la?

Lineimar Primeiramente, devo admitir publicamente meu mais grave defeito: sou impaciente. Fiz uma carta que enviei a algumas editoras, personalizadas, enviando uma a uma com o nome do responsável pela edição. Como as respostas foram negativas, algumas me dizendo para voltar a contatá-los em dois anos!, decidi usar a autoedição mais uma vez. Já havia publicado um livro assim. É interessante. Meu objetivo é fazer coisas na vida, usar meu cérebro, não concebo ficar de braços cruzados e já não tenho tanta necessidade de reconhecimento. Por isso, a autoedição me convém. Concretizei um projeto, comecei a divulgá-lo, se agradar às pessoas melhor ainda, pois o objetivo é compartilhar o conhecimento, saberes. Mas o essencial foi ter usado meu tempo ocioso fazendo alguma coisa rica e interessante. Nessa forma de publicação somos nós, os autores, que fazemos tudo: a paginação, a capa, decidimos o tamanho etc. É a parte prazerosa do projeto, quando o que esteve durante meses em nossa mente se materializa. A partir de agora, o que vier é lucro.

Diana – Continuando com a metáfora da maternidade, em algum momento o filho tornou-se rebelde, fugiu do controle? Acredito que a escrita, principalmente a autobiográfica, é um exercício revelador que em algum momento pode nos surpreender e trazer à tona coisas que não esperávamos. É isso mesmo?

Lineimar Não sei se considero ter fugido do controle, mas teve um capítulo inteiro no qual falava de meu pai que retirei do livro. Por que era extremamente íntimo e não dizia respeito somente a mim. Acho a história da família dele fantástica, tipicamente brasileira, mas falar da saga familiar envolveria também meus primos, meus tios, irmãos, e não sei se todos estariam dispostos a ter sua história familiar estampada em um livro, publicamente. Teria sido impudente demais.

Diana – “Mulher”, “suburbana”, “dura”, você não deixou que esses rótulos se interpusessem em seu caminho atrás de um sonho. De onde veio tanta obstinação e persistência?

Lineimar Alguma coisa dentro de mim nunca aceitou certas coisas, como o machismo, a discriminação ou a injustiça social. Não sei de onde vem isso, mas nunca consegui conceber que certas coisas devessem ser exclusivas aos que nasceram em berço de ouro, ou com outro sexo, ou em outro país. Não sou fatalista, ao contrário, acredito em nosso poder interno. Também não sou materialista e não ligo para o luxo, mas acho que a cultura deveria ser um direito de todos. E sempre corri atrás dela. Além disso, já fui militante política, já trabalhei no humanitário, tentando reparar um pouco dessas injustiças, mas tive a impressão de dar murro em ponta de faca. Então agi e ajo no meu âmbito pessoal para tentar mudar pelo menos a visão das coisas, que é o que está a meu alcance na vida e na profissão que escolhi.

Diana – O que você diria àqueles que sonham com uma vida nova em outro país, mas não tem recursos financeiros? Você acha que daria para repetir sua façanha nos dias atuais?

LineimarPois é, acho que hoje o mundo não é mais o mesmo. Algumas coisas estão muito mais fáceis, com internet e a democratização dos preços de passagens aéreas, mas outras mais complicadas por causa do terrorismo e do aumento da xenofobia e do racismo no mundo. A Europa está vivendo uma grande contradição ou mesmo uma retrogradação, pois estava caminhando para a abertura das fronteiras com a criação da Comunidade Europeia e o espaço Schengen, mas hoje muitos países que constituem a Comunidade Europeia estão apresentando programas retrógrados com tendência ao fechamento das fronteiras. O Reino Unido acaba de votar por uma saída da Comunidade, outros países como a Grécia já levantaram essa questão. E nos Estados Unidos existe a possibilidade de eleição de um homem abertamente racista e xenófobo como o Donald Trump. Isso tudo atinge o modo como esses países recebem e tratam seus imigrantes. Mas felizmente o mundo não se resume à Europa e aos Estados Unidos, muitos países estão abrindo as portas para estrangeiros, de acordo com suas necessidades de mão de obra, como o Canadá e talvez países asiáticos ou africanos. Não recomendaria fazer como eu fiz, lançar-se assim, na lata, como dizemos no Rio, mas realmente preparar um projeto, aprender o idioma, trabalhar para juntar dinheiro, se informar sobre as leis imigratórias e até fazer uma formação na área carente de mão de obra, por exemplo. Sei que aqui na França, apesar de um altíssimo desemprego, algumas ofertas de emprego não encontram mão de obra, como para servir e lavar louça em restaurantes, cuidados com pessoas idosas. Estão também precisando muito de médicos para morar em pequenas cidades. Já li que algumas cidades oferecem consultório montado para médicos que se disponibilizariam em morar ali. Mas o que é muito importante saber antes de se lançar, é que a probabilidade de descer na pirâmide social é muito grande, quando se emigra para outro país. Eu mesma deixei um cargo de Assistente de Merchandising para fazer faxina e cuidar de crianças. Deve-se ter consciência disso, porque nem sempre é fácil para a autoestima.

Diana – O que os leitores podem esperar de seu livro?

LineimarAcho que uma das coisas positivas que eles podem encontrar nesse livro é o acompanhamento da realização de um projeto que começou do nada e foi tomando forma. Tentei transmitir o processo mental que me motivou a fazê-lo, embora não tenha certeza de ter conseguido. E, evidentemente, o processo material que foi o que desbloqueou na prática todo o resto. Quis mostrar o valor do trabalho, da determinação, da fé em si mesmo. Detesto certa mentalidade de hoje que supervaloriza o dinheiro fácil, a celebridade, o materialismo predominante. Além desse aspecto, os que nunca estiveram na Europa vão aprender um pouquinho sobre alguns países que compõem esse continente, através do meu olhar, é claro, fora dos roteiros turísticos, o olhar de alguém apaixonado pela vida e pelas belas coisas que o mundo tem para mostrar em termos de patrimônio e cultura. Mesmo hoje, quando passeio pela Europa, fico deslumbrada com a beleza e organização deste lugar.

Diana – Para terminar, você está traduzindo seu livro para o francês, como é a experiência de traduzir o próprio livro?

Lineimar - Na verdade vai além de uma tradução. Estou adaptando o texto para o leitor europeu. O posicionamento é totalmente diferente, porque acho que ele não tem ideia do que a Europa representa para a gente, do outro lado do Atlântico. Estou focalizando nas particularidades do Brasil, tem uma ênfase mais sociológica, principalmente quando falo dos anos 1970 aos 1990 quando deixei o país, a ditadura militar e o que tudo isso representava para minha geração, nascida com o golpe de 1964. Enfatizo a questão dos preconceitos contra os suburbanos que, na minha opinião, é muito forte na cidade do Rio de Janeiro. Fiz uma tradução do texto quase literal para usá-la como esqueleto do texto francês, e agora vou transformá-la, deixá-la mais fluida. É claro que, mais ainda que para a versão em português, que você inclusive tornou melhor com suas sugestões, vou precisar de um revisor francófono para corrigi-la. Depois, passará pela crítica exigente do meu marido. 



Disponível para venda no Clube de Autores e na Amazon.

9 comentários:

  1. I am so proud of you, Lineimar! Denita

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  2. Li, parabéns por mais esta realização. "Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena".:-)

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  3. Li, muito orgulhosa de voce. Eu acompanhei com voce grande parte desse inicio, como fazer esse sonho virar realidade de ir morar na Franca. Tudo que pensamos como possibilidades. Ainda bem que realizou e teve um final feliz. Sucesso.

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  4. Estou muito orgulhosa de voce. Lembro da gente vendo mil possibilidades de como voce poderia realizar seu sonho de ir para a Franca. Ainda bem que conseguiu e teve um final feliz. Sucesso.

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    1. Lembra quando você sugeriu ir no "Porta da Esperança"? Mencionei isso no livro rsrs

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  5. Minhas sinceras felicitações. Apesar da distância tenho acompanhado um pouco do seu trabalho. Muito orgulho tbm. Bjs
    Vou fazer o pedido do meu exemplar já.

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    1. Obrigada Mazinho! Fico emocionada que você me considere dessa forma, acompanhe meu trabalho (sei que você comprou "O Brasil para inglês ver") e sobretudo que nossa amizade tenha sobrevivido ao tempo e à distância. Agradeço muito por seu carinho e interesse. Beijo

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