Acho que o que mais me atrai na tradução é o intercâmbio
cultural, a possibilidade de transportar para outra língua outro modo de
pensar, de ver o mundo. Estou lendo o livro “Como aprendi português, e outras
aventuras” do tradutor e intelectual húngaro-brasileiro Paulo Rónai, o que me levou a refletir sobre
minha própria experiência de aprendizagem do português.
Primeiro contato
Minha língua materna é o espanhol, nasci na Espanha em 1974,
e aos 5 anos de idade fui morar no Paraguai. Três anos mais tarde, em 1983, vim
com minha família para Foz do Iguaçu, no Brasil, e logo entrei na quinta
série sem saber falar o português, aprendi "na marra"... observando, escutando,
falando, errando, arriscando, e sentindo na pele o estranhamento
e a desconfiança dos outros diante de alguém que é visto como um invasor, um
estranho.
Por isso a importância da tradução: por permitir que pessoas
que não compartilham as mesmas experiências culturais possam compreender umas
às outras.
Lembro-me bem do encantamento do primeiro contato com a nova
língua, da admiração diante de letras como o “cê-cedilha” e de sinais gráficos
como o “acento circunflexo” (chapeuzinho) e a “crase”, que não existem no espanhol. Também me
lembro do divertimento diante da nasalização do do ditongo "ão" e do sentimento de frustração por não conseguir reproduzir corretamente alguns
fonemas como “z”, “j” e “g” (zero, jeito, sujeira, gincana). Meu pai, alemão, nunca conseguiu dominar o
português, ele dizia que soava como um zumbido “zum, zum, zum”, provavelmente
devido à abundância dos fonemas fricativos. Outra coisa que chamava a atenção dele era o uso abundante de diminutivos, uma característica marcante da afetividade do
brasileiro.
Meu sentimento inicial diante do português foi de
encantamento. Qual não foi minha surpresa ao saber que meu nome, Diana, pronunciava-se
diferente no Brasil, com o 'd' africado e o 'a' nasalizado /Dziãna/. E a dificuldade ao distinguir a pronúncia das
vogais “e” e “o” abertas e fechadas? Quantas vezes ouvi risadinhas quando eu pronunciava
fechada a vogal que deveria ser aberta (“janêla”, “atlêta”, “canêla”,etc.), ou
quando ao contrário, eu pronunciava aberta a vogal que deveria ser fechada (“clóro”, “ caróço”, “póvo”, etc.)? Que difícil!!!
Também ocorreram muitas situações engraçadas e constrangedoras com os famosos "falsos amigos" e com o "aprendizado por dedução". Uma das primeiras palavras que aprendi ao chegar ao Brasil foi "prato"; e eu, com toda minha ingenuidade pueril, pensei "Que fácil, se "plato"é "prato", então "planta" é "pranta", é só trocar o 'l' pelo 'r'!" E assim, saí correndo toda contente para convidar minha vizinha para andar de "bicicreta"...
Também ocorreram muitas situações engraçadas e constrangedoras com os famosos "falsos amigos" e com o "aprendizado por dedução". Uma das primeiras palavras que aprendi ao chegar ao Brasil foi "prato"; e eu, com toda minha ingenuidade pueril, pensei "Que fácil, se "plato"é "prato", então "planta" é "pranta", é só trocar o 'l' pelo 'r'!" E assim, saí correndo toda contente para convidar minha vizinha para andar de "bicicreta"...
Do encantamento inicial, passei a sentir certa decepção por
não compreender todas as palavras, apesar de meu vocabulário aumentar todos os
dias, ainda havia tantas e tantas palavras totalmente desconhecidas e
misteriosas para mim. Quantas vezes me faltou a palavra adequada para expressar
meus sentimentos?
Demorei muito para ficar razoavelmente satisfeita com meu
nível de proficiência, sempre fui muito exigente e curiosa e acho que essas duas características me ajudaram muito, pois não deixaram me acomodar.
Aprendizagem formal
Li muito, estudei bastante e fiz três anos completos de Letras Língua
Portuguesa, mas não concluí o curso porque casei e, como meu marido é militar do
exército, fomos transferidos para o interior do Amazonas, para uma cidade onde então
não havia faculdade, Humaitá. Lá trabalhei como professora temporária de
espanhol, português e literatura brasileira em dois colégios estaduais, com 11
turmas e cerca de 400 alunos. Uma experiência fascinante que contribuiu muito para meu aprendizado.
Com o crescimento de nossos dois filhos, e na ocasião de nossa terceira transferência, desta vez para
Florianópolis, finalmente pude retomar meus estudos. Prestei vestibular novamente e me formei em Letras Língua e
Literaturas Espanholas, na UFSC. No início da faculdade, fiz estágio como tradutora numa empresa de tecnologia, que me contratou e onde trabalho até hoje. Após a universidade, cursei uma pós-graduação em Tradução
de Espanhol pela UGF. Também fiz o curso “Para Bem Escrever na Língua Portuguesa”, ministrado pelo professor e tradutor Carlos Nougué, um estudo avançado
que abordou questões espinhosas da gramática da língua portuguesa, tais como infinitivo flexionado, crase, colocação pronominal, sintaxe de concordância
e de regência, vozes verbais, pronomes integrantes e relativos, preposições e
conjunções e outras tantas. Sem dúvida, devo muito a este grande mestre.
Aspectos culturais e
simbiose
Não queria me estender tanto, o ponto onde eu queria chegar é que, para conhecer intimamente a língua e a cultura de um povo,
são necessários muitos anos de convivência e de interação.
A língua é a expressão máxima da cultura de um povo e para
mergulhar nesse universo, não basta aprender a gramática, dominar a fonética, a
morfologia, a sintaxe, a semântica, os recursos de estilo. É preciso ir além, há
que colocar-se na pele do outro e conhecer as características peculiares à sua
cultura.
Para conhecer intimamente o português brasileiro, é preciso conhecer as
diversidades regionais, as manifestações artísticas populares, as diversas
raças que formaram o povo brasileiro: o índio, o negro, o imigrante e as diversas
figuras humanas nacionais e regionais como o sertanejo, o cangaceiro, o gaúcho,
o bandeirante, etc. É preciso conhecer a história e a geografia, a literatura,
os movimentos intelectuais e artísticos; as crenças, superstições, lendas; o
sistema de governo, a legislação e as instituições; os costumes sociais e
familiares; os meios de comunicação; os sotaques, as comidas, os esportes, a
música, as vestimentas e indumentárias, as religiões, as danças, enfim:
conhecer o real e o imaginário de um povo é tarefa para uma vida inteira. Algum dia eu chego lá...
¡Qué lindo relato, Diana!
ResponderExcluirGracias, Marcela, me alegro de que te haya gustado ;-)
ExcluirHa sido una experiencia muy simpática. Voy a respasarla a mis hijos, que pasaron por los mismos conflictos.
ResponderExcluirGracias por compartir.
¡Gracias a ti por leer el artículo, Izabel, y por el comentario tan amable! Un abrazo.
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