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segunda-feira, 23 de maio de 2016

O prazer da releitura


Neste fim de semana terminei de reler O Sol é Para Todos, obra que rendeu o prêmio Pullitzer em 1961 à autora norte-americana já falecida, Harper Lee.

Não vou falar aqui sobre o enredo, mas sobre o exercício da releitura, isto é o ato de voltar a ler uma obra após um período de afastamento. Aproveitando o gancho, falarei também da releitura no sentido de dar uma nova interpretação a uma obra de arte. 

A primeira vez que li este livro foi no início dos anos 80, quando eu tinha uns 11 ou 12 anos. Escolhi o livro na biblioteca municipal, porque gostei do título e da capa. Com a morte da autora em fevereiro deste ano (2016), às memorias do livro vieram à tona e fiquei com vontade de relê-lo.

Você já deve ter sentido alguma vez vontade de voltar no tempo, não? Acho que todos sentimos isso de vez em quando: nostalgia do passado. Pois a releitura é um exercício que nos permite chegar perto disso. Ao ler o livro pela segunda vez, mais de 30 anos depois, tive a sensação de viajar no tempo, de retornar a um velho lugar, a velhos conhecidos. É como se eu tivesse atravessado um portal onde é possível reviver uma aventura.

Além da redescoberta de personagens, detalhes e sensações, acho que relembrei um pouco de mim mesma, de minhas emoções e inquietações ao ler o livro pela primeira vez. A leitura tem esse poder de realizar conexões: é o que chamamos de intertextualidade. Você conecta o texto a um momento de sua vida, a outros textos, à realidade e a outras informações.

Ao terminar de ler o livro (esta vez na versão digital), resolvi assistir ao filme homônimo de 1962, em preto e branco, com Gregory Peck. Outra releitura, desta vez em imagens e sons, aguçando outros sentidos. 

Na faculdade, cursei uma disciplina optativa sobre cinema e literatura e a principal lição que aprendi foi fugir do lugar-comum: “qual é melhor: o livro ou o filme?”. É uma comparação superficial e ingênua, já que se trata de duas linguagens completamente diferentes. A literatura dispõe de recursos que o cinema não tem e vice-versa. A literatura conta com efeitos narrativos e o cinema explora a visão e a audição: a perspectiva, o enquadramento, a sonoplastia, etc. São perspectivas diferentes que se complementam, não há razões para engrandecer uma em detrimento da outra.

O filme é uma releitura da obra, no sentido de recriação que surge de uma nova interpretação: não é plágio, cópia ou reprodução. Trata-se de uma obra inspirada em outra, de uma interpretação pessoal motivada geralmente por admiração.

Releitura da obra Monalisa (https://coresematizes.wordpress.com)

Assisti à versão dublada, o que me levou a outra conexão: uma entrevista que li há poucos dias com o dublador José Santana no blog Traduzindo a Dublagem, de Paulo Noriega. Fiquei curiosa para saber quem era o dublador de Gregory Peck. Como hoje é fácil encontrar o que buscamos com apenas alguns cliques, fiquei sabendo que quem dublou o protagonista do filme foi Luiz Feier Motta, dublador de muitos atores conhecidos como Silvester Stallone, Steven Segall, Pierce Brosnan, também é dublador da personagem Wolverine e do adorável narrador das Meninas Superpoderosas.  

Vejam só, a literatura e suas reveladoras conexões: Harper Lee que escreveu sobre o advogado Atticus Finch, representado no cinema por Gregory Peck, dublado na versão brasileira por Luiz Feier Motta. E no outro extremo dessa rede de conexões, esta que vos fala e que pôde conhecer a criatividade de Harper Lee, a obstinação e a retidão do advogado Atticus Finch, a belíssima interpretação de Gregory Peck (que lhe rendeu o Oscar de melhora ator em 1963); e a primorosa dublagem carregada de emoção de Luiz Feier Motta.

O trem segue em frente e a próxima parada será Vá, Coloque um Vigia, segunda e última obra de Harper Lee publicada em 2015 e que já é best-seller e está cercada de polêmica e curiosidade, pois no segundo livro, o protagonista Atticus Finch — que virou herói nacional, batizou uma geração de bebês e serviu de mote para escritórios de advocacia —, sofre uma reviravolta e se revela um sujeito racista. Realmente surpreendente...

Enfim, a releitura é uma experiência muito prazerosa. Em tempos de crise, é uma alternativa de viagem altamente recomendável. Fica aí a dica.

https://coresematizes.wordpress.com/2009/07/16/o-que-e-releitura/

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