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quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

10 rumores na língua portuguesa



Fique atento a algumas invenções linguísticas espalhadas por aí, baseadas muitas vezes em argumentos supostamente lógicos que, por ingenuidade ou hipercorreção, taxam de erro formas corretas e consagradas.

1 - Não devemos usar “sobre”, mas “acerca de”

Alguns puristas afirmam que só devemos usar a preposição “sobre” no sentido de “em cima de”. Bobagem, não há problema algum em usar uma ou outra forma no sentido de “a respeito de” em frases como: “Falamos sobre/acerca de nossos planos”, “Ele realizou um estudo sobre a/acerca da situação das estradas brasileiras”, etc.

2 - Não devemos usar “através”, mas “por meio de”

Diz-se por aí que só se deve usar “através” no sentido de “cruzar de lado a lado” (Correu através dos campos). Podemos, sim, usar “através”, no sentido de “por meio de”, “mediante”, em frases como: “Através deste botão, abre-se o navegador”, “Conheci o mundo através dos livros”, etc.

3 - Não devemos dizer “entrega a domicílio”, mas “entrega em domicílio”

Podemos usar as duas formas — em domicílio / a domicílio — a expressão “a domicílio” é uma locução adverbial assim como “a cavalo”, “a pé”, “a pique” e indica o modo como se faz a entrega. Essa locução é usada, principalmente, para referir-se à prestação de serviços: entrega a domicílio, aulas a domicílio, atendimento a domicílio, serviço a domicílio. No entanto, no Brasil, preconizou-se que a expressão “a domicílio” só deve ser usada com verbos que indiquem movimento (levar, enviar, etc.), e “em domicílio” com os verbos que não indiquem movimento (entregar, atender, etc.).

4 - Não devemos dizer TV “a cores”, mas “em cores”

Semelhante ao caso anterior, “a cores” é uma locução, assim como “a gás”, “a vapor”, “a lápis”, e significa “colorida”. Alguns autores afirmam que a expressão “a cores” seria galicismo, o que não procede, porque em francês usa-se a preposição “em”: “en couleurs”. Tanto em Portugal como na Espanha, é unânime a expressão “a cores”. Ou seja, as duas formas são legítimas.

5 - Não devemos dizer “a longo, médio ou curto prazo”, mas “em longo, médio ou curto prazo”

Novamente a confusão com o uso das preposições em locuções. Nem ao menos é possível encontrar uma explicação convincente para rechaçar o uso da preposição “a” nessas locuções. Alega-se que para expressar um prazo, o correto é usar a preposição “em”: em duas horas, em dois dias, em duas semanas, etc. 
Na língua portuguesa, é comum comutar a preposição em com a:  Em qualquer momento. Vendemos a quilo / em quilo. Eles tocam a quatro mãos/ em (com) quatro mãos. A favor do vento / em seu favor. Parou à frente/ na frente/ em frente da escola. Àquela época/ naquela época... Àquela altura/ naquela altura...

6 - Não devemos dizer “educação ou ensino à distância”, mas “educação ou ensino a distância”, sem a crase

Outra confusão com o uso de preposição. A locução adverbial é “à distância”; mas, em algum momento convencionou-se que só se usa crase quando a distância é determinada (ex.: observei à distância de três metros). No entanto, o uso da locução sem crase provoca ambiguidade. Ao usar a expressão sem a crase, dá a impressão de que “a distância” é objeto de ensino “Ensino o quê? A distância”), quando se trata de uma modalidade de ensino. Da mesma forma, ao dizer “observo a distância” parece que “a distância” é o objeto observado; quando, na verdade, indica que o modo de observar: mantendo distância.

Por motivos de clareza, recomenda-se pôr sempre o acento diacrítico, isto é, a crase nas locuções adverbiais com palavras femininas: cortar à faca, escrever à mão, enxotar à pedrada, navegar à vela, conseguir à força, observar às escondidas, comprar à vista, etc.

7 - Não devemos dizer “perigo/risco de vida”, mas “perigo/risco de morte”

Esta é uma grande falácia difundida principalmente pelos meios de comunicação. Justifica-se o injustificável com o argumento de que quando a vida de alguém corre risco, o risco é de morrer e não de viver. Ora, isso é óbvio. Quando dizemos “perigo/risco de vida” a lógica está implícita, pois se subentende que o perigo/risco é o de perder a vida.

A língua tem sua lógica própria, e o sentido muitas vezes está implícito, principalmente na linguagem falada, em que o contexto completa o sentido da fala. Quando alguém diz, por exemplo, “Ele fez duas cirurgias”, subtende-se que ele “foi submetido” a duas cirurgias e não que ele é o cirurgião que realizou as cirurgias ou quando alguém diz “esse remédio é bom para gripe”, subentende-se que é bom para “acabar” com a gripe.

8 - Não devemos usar vírgula antes de etc.

Há cerca de meio século, alguns gramáticos, influenciados pelo logicismo, passaram a condenar o uso da vírgula antes de etc. Segundo eles, etc. (abreviatura da expressão latina et cetera, que significa “e outras coisas”) dispensa a vírgula porque contém a conjunção “e”. No entanto, a maioria das línguas usa a vírgula antes dessa abreviatura. Além disso, seu uso é abonado pelo Vocabulário Ortográfico da ABL e por gramáticos como Aurélio, Celso Cunha, Bechara, Gama Kury e Carlos Nougué.

9 - Não devemos usar dupla negativa

Esse rumor advém da tentativa de aplicar à língua a lógica matemática que afirma que em dupla negativa uma anula a outra. Aplicando essa lógica à língua, duas negativas resultariam numa sentença afirmativa. Assim, “não vejo ninguém = vejo alguém” e “Não tenho nada = tenho algo”. No entanto, a língua segue sua própria lógica, e a dupla negativa, e até tríplice, é um traço tradicional na língua portuguesa e sua função é a de reforçar a negação.

O gênio português, Fernando Pessoa, sabia recorrer sem culpa à negação dupla: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada.”.

10 - Não devemos dizer “espaço de tempo”

Este boato ingênuo deriva da crença de que não é possível misturar “tempo e espaço” porque são categorias diferentes, o que tornaria “espaço de tempo” um contrassenso.

A palavra “espaço” possui diversas acepções, entre elas: “período ou intervalo de tempo”. Nesse caso, em vez de um contrassenso, teríamos uma redundância? Nada disso. Se espaço é uma palavra com vários sentidos, estamos apenas deixando claro que nos referimos ao espaço “de tempo”, e não aos outros espaços possíveis. Por outro lado, constituem, sim, redundâncias as expressões “prazo de tempo” ou “período de tempo”, porque as palavras “prazo” e “período” já se referem a tempo.

Fontes:

www.certaspalavras.net
Dicionário de dificuldades da língua portuguesa, de Domingos Paschoal Cegalla.
Suma Gramatical da Língua Portuguesa, de Carlos Nougué.

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