Fique atento a algumas invenções linguísticas espalhadas por
aí, baseadas muitas vezes em argumentos supostamente lógicos que, por
ingenuidade ou hipercorreção, taxam de erro formas corretas e consagradas.
1 - Não devemos usar
“sobre”, mas “acerca de”
Alguns puristas afirmam que só devemos usar a
preposição “sobre” no sentido de “em cima de”. Bobagem, não há problema algum
em usar uma ou outra forma no sentido de “a respeito de” em frases como:
“Falamos sobre/acerca de nossos planos”, “Ele realizou um estudo sobre a/acerca
da situação das estradas brasileiras”, etc.
2 - Não devemos usar
“através”, mas “por meio de”
Diz-se por aí que só se deve usar “através” no sentido de
“cruzar de lado a lado” (Correu através
dos campos). Podemos, sim, usar “através”, no sentido de “por
meio de”, “mediante”, em frases como: “Através deste botão, abre-se o
navegador”, “Conheci o mundo através dos livros”, etc.
3 - Não devemos dizer
“entrega a domicílio”, mas “entrega em domicílio”
Podemos usar as duas formas — em domicílio / a domicílio —
a expressão “a domicílio” é uma locução adverbial assim como “a cavalo”, “a
pé”, “a pique” e indica o modo como se faz a entrega. Essa locução é usada,
principalmente, para referir-se à prestação de serviços: entrega a domicílio,
aulas a domicílio, atendimento a domicílio, serviço a domicílio. No entanto, no
Brasil, preconizou-se que a expressão “a domicílio” só deve ser usada com
verbos que indiquem movimento (levar, enviar, etc.), e “em domicílio” com os
verbos que não indiquem movimento (entregar, atender, etc.).
4 - Não devemos dizer
TV “a cores”, mas “em cores”
Semelhante ao caso anterior, “a cores” é uma locução, assim
como “a gás”, “a vapor”, “a lápis”, e significa “colorida”. Alguns autores
afirmam que a expressão “a cores” seria galicismo, o que não procede, porque em
francês usa-se a preposição “em”: “en
couleurs”. Tanto em Portugal como na Espanha, é unânime a expressão “a
cores”. Ou seja, as duas formas são legítimas.
5 - Não devemos dizer
“a longo, médio ou curto prazo”, mas “em longo, médio ou curto prazo”
Novamente a confusão com o uso das preposições em locuções. Nem
ao menos é possível encontrar uma explicação convincente para rechaçar o uso da
preposição “a” nessas locuções. Alega-se que para expressar um prazo, o correto
é usar a preposição “em”: em duas horas, em dois dias, em duas semanas, etc.
Na língua portuguesa, é comum comutar a preposição em com
a: A / Em qualquer momento. Vendemos a quilo / em quilo. Eles tocam a quatro
mãos/ em (com) quatro mãos. A favor do vento / em seu
favor. Parou à frente/ na frente/ em frente da escola. Àquela época/
naquela época... Àquela altura/ naquela altura...
6 - Não devemos dizer
“educação ou ensino à distância”, mas “educação ou ensino a distância”, sem a crase
Outra confusão com o uso de preposição. A locução adverbial
é “à distância”; mas, em algum momento convencionou-se que só se usa crase
quando a distância é determinada (ex.: observei à distância de três metros). No
entanto, o uso da locução sem crase provoca ambiguidade. Ao usar a expressão sem a crase, dá a impressão de que “a distância” é objeto de ensino “Ensino o quê? A
distância”), quando se trata de uma modalidade de ensino. Da mesma
forma, ao dizer “observo a distância” parece que “a distância” é o objeto observado; quando, na verdade, indica que o modo de observar: mantendo distância.
Por motivos de clareza, recomenda-se pôr sempre o acento
diacrítico, isto é, a crase nas locuções adverbiais com palavras femininas:
cortar à faca, escrever à mão, enxotar à pedrada, navegar à vela, conseguir à
força, observar às escondidas, comprar à vista, etc.
7 - Não devemos dizer
“perigo/risco de vida”, mas “perigo/risco de morte”
Esta é uma grande falácia difundida principalmente pelos
meios de comunicação. Justifica-se o injustificável com o argumento de que
quando a vida de alguém corre risco, o risco é de morrer e não de viver. Ora,
isso é óbvio. Quando dizemos “perigo/risco de vida” a lógica está implícita,
pois se subentende que o perigo/risco é o de perder a vida.
A língua tem sua lógica própria, e o sentido muitas vezes está implícito, principalmente na linguagem falada, em que o contexto completa o sentido da fala. Quando alguém diz, por exemplo, “Ele fez duas cirurgias”, subtende-se que ele “foi submetido” a duas cirurgias e não que ele é o cirurgião que realizou as cirurgias ou quando alguém diz “esse remédio é bom para gripe”, subentende-se que é bom para “acabar” com a gripe.
A língua tem sua lógica própria, e o sentido muitas vezes está implícito, principalmente na linguagem falada, em que o contexto completa o sentido da fala. Quando alguém diz, por exemplo, “Ele fez duas cirurgias”, subtende-se que ele “foi submetido” a duas cirurgias e não que ele é o cirurgião que realizou as cirurgias ou quando alguém diz “esse remédio é bom para gripe”, subentende-se que é bom para “acabar” com a gripe.
8 - Não devemos usar
vírgula antes de etc.
Há cerca de meio século, alguns gramáticos, influenciados
pelo logicismo, passaram a condenar o uso da vírgula antes de etc. Segundo
eles, etc. (abreviatura da expressão latina et
cetera, que significa “e outras coisas”) dispensa a vírgula porque contém a
conjunção “e”. No entanto, a maioria das línguas usa a vírgula antes dessa abreviatura. Além disso, seu
uso é abonado pelo Vocabulário Ortográfico da ABL e por gramáticos como
Aurélio, Celso Cunha, Bechara, Gama Kury e Carlos Nougué.
9 - Não devemos usar dupla negativa
Esse rumor advém da tentativa de aplicar à língua a lógica
matemática que afirma que em dupla negativa uma anula a outra. Aplicando essa
lógica à língua, duas negativas resultariam numa sentença afirmativa. Assim, “não
vejo ninguém = vejo alguém” e “Não tenho nada = tenho algo”. No entanto, a
língua segue sua própria lógica, e a dupla negativa, e até tríplice, é um traço
tradicional na língua portuguesa e sua função é a de reforçar a negação.
O gênio português, Fernando Pessoa, sabia recorrer sem culpa à negação dupla: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada.”.
O gênio português, Fernando Pessoa, sabia recorrer sem culpa à negação dupla: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada.”.
10 - Não devemos dizer
“espaço de tempo”
Este boato ingênuo deriva da crença de que não é possível misturar
“tempo e espaço” porque são categorias diferentes, o que tornaria “espaço de
tempo” um contrassenso.
A palavra “espaço” possui diversas acepções, entre elas: “período ou intervalo de tempo”. Nesse caso, em vez de um contrassenso, teríamos uma redundância? Nada disso. Se espaço é uma palavra com vários sentidos, estamos apenas deixando claro que nos referimos ao espaço “de tempo”, e não aos outros espaços possíveis. Por outro lado, constituem, sim, redundâncias as expressões “prazo de tempo” ou “período de tempo”, porque as palavras “prazo” e “período” já se referem a tempo.
Fontes:
www.certaspalavras.net
Dicionário de dificuldades da língua portuguesa, de Domingos
Paschoal Cegalla.
Suma Gramatical da Língua Portuguesa, de Carlos
Nougué.
Aplausos! Tudo o que vc escreve é de muita utilidade. Obrigada, Diana.
ResponderExcluirObrigada, Izabel, seus comentários são sempre muito motivadores!
ExcluirMuy bien chica guapa por el trabajo.
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