quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Crônica de Viagem II

Após um período de muito trabalho, nada como umas férias! Acabei de retornar de uma viagem de duas semanas à Espanha. A viagem foi ótima e sinto que aos 41 anos estou ficando mocinha, pois viajei sozinha e não fiz nenhuma trapalhada, não perdi meu passaporte nem desci na cidade errada, ou seja, agora sou uma perita no assunto. Tanto, que desta vez, já fui preparada com as moedinhas de 1 euro para pagar o carrinho das malas: matei a pau! Até ensinei a alguns turistas desorientados como usar a maquininha das fichas. “Prestem atenção, é muito simples...”.

Bom, como sempre, fui “cargada como una mula”,  levei 10 pares de havaianas, 3 garrafas de cachaça, limão (lá, nosso limão  é conhecido como “lima” e seu preço é bem salgado), ingredientes para feijoada, incluindo a couve (que lá se chama berza e é mais difícil de encontrar que piolho em careca), e as “extravagâncias” que minha irmã sempre me pede: pipoca doce de canjica e halls de cereja, ela adora!

Ah, sim, como agora estamos morando em Belém do Pará levei um quilo de polpa de cupuaçu, 4 vidros de doce de cupuaçu, e também artesanato, cerâmica marajoara, três pratos para minhas tias e um vaso lindíssimo para minha irmã. Para meu sobrinho de 9 anos, comprei umas lembrancinhas que considerei exóticas, porque ele já tem o quarto cheio de brinquedos, então comprei um pião de madeira e um sapo de madeira que reproduz o coaxar do bichinho. O pião me deu muito trabalho, passei mais de uma semana treinando em casa, dando cada trombada no chão do apartamento que os vizinhos de baixo devem ter pensado que estávamos fazendo reformas. Encantei-me com o sapo manauara de madeira que possui uma espécie de crista em suas costas, onde ao passar uma varinha também de madeira, produz o som característico desses anfíbios.

Para criar um clima místico, falei como um xamã ao meu sobrinho: “Você está segurando um pedaço da selva amazônica em suas mãos, com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Minha irmã sussurrou em meu ouvido: “Não quero acabar com sua empolgação, mas nós tínhamos um sapo igual a esse, compramo-lo na Tailândia, não sei onde foi parar, mas acho que ele já não se lembra”. Que beleza! Na era “Made in China” é difícil encontrar algo original, mas o que vale é a intenção. Isso sem falar no constrangimento que passei quando fui comprar o sapo no mercado público Ver o Peso em Belém. Assim que vi o sapo, com toda minha ingenuidade, encostei na varinha de madeira e perguntei ao vendedor: “Moço, para que serve este pauzinho” e quando encostei no pauzinho, este caiu e rolou para debaixo de todas aquelas parafernálias exibidas na barraca. O moço fez uma carranca e eu fiquei morrendo de vergonha.

Sapo Manauara

Cerâmica Marajoara no mercado público Ver o Peso, em Belém do Pará

A recepção no aeroporto foi muito emocionante, porque um dos motivos de minha viagem era conhecer minha sobrinha de quatro meses, então foi com muita alegria que pude constatar pessoalmente o crescimento da família com essa coisinha superfofa para carregar no colo e encher de mimos “Ô coisinha tão bonitinha da titia”. Meu sobrinho de nove anos cresceu muito, mas continua com a mesma carinha meiga!

Agora minha irmã e família estão morando em um “pueblo” a 40 km de Madri, próximo à Sierra de Guadarrama, uma pequena cidade muito agradável, calma, limpa e acolhedora. Acolhedora, exceto por uma senhora idosa que, no almoço comunitário da cidade, quase teve chilique quando lhe perguntamos se poderíamos compartilhar a mesa. Nunca vi tanta “simpatia” reunida em um único corpo, deixou no chinelo a protagonista do filme O Exorcista, coisa que não combina nem um pouco com a procissão religiosa que motivou o almoço comunitário, mas tudo bem, mau humor é uma coisa que existe em todos os lugares do planeta.

Fizemos vários passeios por lugares típicos de Madri: Puerta del Sol, Plaza Mayor, Fuente de Cibeles, Gran Vía, Ayuntamiento, passeio pelo Parque Madrid Río — uma área de recreação para caminhar, pedalar e passear, construído entre os anos de 2006 a 2011 nas duas margens do rio Manzanares, sobre o traçado subterrâneo da rodovia M30, é um parque voltado para o lazer do cidadão.


Dürüm
Comemos alguns quitutes típicos de Madri como o “bocadillo de calamares” da Plaza Mayor e as “tortilla de patatas” mais famosa de Madri, das quais já falei na Crônica de Viagem I. Também comi uma coisa que eu adoro que é o “dürüm” típico espanhol (brincadeira, é um lanche típico da Turquia), mas eu sempre brinco dizendo que tenho vontade de comer um “dürüm ou o döner kebak” típico espanhol. No Brasil, é conhecido como churrasco turco, é um churrasco de carne de cordeiro, boi ou frango assada num espeto giratório e servida em pão pita, achatado e enrolado, acompanhado de salada e um molho de alho agridoce. Sou fã!

Bom, agora vamos a algumas curiosidades culturais e linguísticas. Quando passávamos pela Plaza Mayor vi numa loja um cartaz que dizia: “Tenemos gamusinos”. Perguntei ao meu cunhado o que eram gamusinos e ele me explicou que é um animalzinho imaginário que os caçadores experientes inventaram para zombar dos principiantes, uma lenda urbana tal como quando dizem a um motorista inexperiente que seu carro tem um problema  “en la junta de la trócola”, uma peça imaginária do veículo. Conclusão, assim como existem mal-humorados em todas as partes do planeta também existem os gozadores. Eu fiquei um tanto contrariada com aquilo, pois achei que colocar um cartaz dizendo “Tenemos gamusinos” era propaganda enganosa e uma afronta aos direitos do consumidor, então minha irmã resolveu perguntar o que eram os gamusinos e lhe disseram que eram uns doces típicos.

Outra anedota, desta vez constrangedora para mim, foi quando meu cunhado me perguntou se eu conhecia o Pablo Iglesias e eu, com toda minha ingenuidade, respondi: Sim, é o filho de Julio Iglesias! E minha irmã e meu cunhado caíram na gargalhada, pois Pablo Iglesias não é filho de Julio Iglesias, mas professor universitário que se elegeu eurodeputado pelo partido Podemos. Ele é fundador e líder do partido que surgiu após o movimento conhecido como 15M ou movimento dos indignados que surgiu em 2011 na Plaza del Sol em Madri. Bom, sem comentários... é claro que eu tentei disfarçar, dizendo “vocês não tem senso de humor, é óbvio que eu estava brincando”. Na verdade eu conhecia a figura, mas não a liguei ao nome... E como não poderia deixar de ser os gozadores da Internet já criaram um meme do Julio Iglesias, aproveitando-se da coincidência dos sobrenomes.




Outra curiosidade linguística que me chamou à atenção é que, em espanhol, a palavra “amador” não é usada com o mesmo sentido que a usamos em português, ou seja, para designar uma pessoa que se dedica a um ofício por gosto ou curiosidade e não por profissão. Amador é aquele que ama algo ou alguém, o amante. Aficionado ou Amateur é aquele que exerce uma atividade por gosto ou curiosidade, o termo aficionado também é usado em sentido pejorativo. O termo Amateur é um artigo novo, um avanço da 23ª edição do dicionário da RAE, é um adjetivo proveniente do francês cuja definição é “aficionado a algo com certo conhecimento da matéria de que se trata”.

Uma dificuldade para os lusofalantes tradutores de espanhol ou para os hispanofalantes tradutores de português é a formação de palavras por sufixação e prefixação, esse assunto merece uma publicação à parte, pois é habitual a interferência entre ambas as línguas. Por exemplo, enquanto em português dizemos “mimado”, “cardiologista”, “enfermagem”, “secura”, “aprofundar”; em espanhol, diz-se “mimoso”, “cardiólogo”, “enfermería”, “sequedad”, “profundizar”, por citar alguns exemplos.

Aqueduto de Segovia
Mas deixemos de lado as questões linguísticas e voltemos aos passeios. Fizemos alguns passeios por cidades que são patrimônios históricos: Toledo e Segovia, sobre Toledo já falei aqui no blog e sobre Segovia falarei em outra ocasião. Ambas são encantadoras e são programas que valem a pena, tanto, que é a segunda vez que visito Toledo e espero que não seja a última.



Castillo nuevo de Manzanares

Visitamos o “Castillo de Manzanares El Real” também conhecido como “Castillo de los Mendonza”, um pequeno castelo muito bem conservado ao pé da Sierra de Guadarrama do qual pretendo falar em outro momento.









Mais uma vez minha querida titia contribuiu para o crescimento de minha biblioteca e presenteou-me com três belas obras: o Diccionario de Sinónimos y Antónimos de María Moliner; 70 Refranes para la Enseñanza del Español, de Inmaculada Penadés Martínez, Reme Penadés Martínez, Xiaojing He e Eugênia Olímpio de Oliveira Silva; e Los Refranes del Quijote y sus Traducciones em la Lengua Portuguesa de Carmen Mª Comino Fernández de Cañete. Cada qual merece uma resenha à parte.

Como podem ver, queridos leitores, a viagem contribuiu para aumentar meu repertório de assuntos para o blog, agora basta organizar as ideias e aprofundá-las. Viajar é sempre uma oportunidade para refrescar a mente, fazer descobertas e analisar as coisas a partir de outra perspectiva.

Desta vez, não fui durante o verão espanhol, mas no início do outono, o que me permitiu viver uma experiência diferente. Meus familiares estavam todos trabalhando, com exceção de minha irmã que ainda está usufruindo de sua licença maternidade. Então pude presenciar o estresse dos madrilenhos para conseguir encontrar uma vaga de estacionamento ou para encarar os engarrafamentos nos horários de pico.


Desta vez, não estávamos todos reunidos na praia, mas espalhados por Madri e pelas cidades vizinhas, então a comida serviu para promover deliciosas reuniões familiares. Um dia nos reunimos para comer barbacoa, o churrasco espanhol com suas peculiaridades como os puerros y pimientos (alhos-porós e pimentões) assados, muito gostosos, diga-se de passagem. Outro dia fui eu que preparei uma modesta feijoada, regada a caipirinha. E para fechar com chave de ouro, minha titia mestre-cuca, ofereceu uma merienda-cena digna de um masterchef, aliás, a titia está fazendo um curso de culinária masterchef, assim, é possível imaginar nossa empolgação para tantos quitutes deliciosos, tanto, que até acabamos nos esquecendo de tirar fotos da família reunida. Um dos destaques foram os saquitos de morcilla con pasta filo, mmmmm... delicados, crocantes e deliciosos!


Saquitos de morcilla con pasta filo
Se em 2014 tive de sorrir amarelo quando me perguntaram da goleada que o Brasil levou da Alemanha na Copa do Mundo, desta vez, o assunto indesejável foi a crise econômica no Brasil. Quem diria que após 6 anos, quando fizemos nossa última viagem em família para a Espanha, nossa situação econômica mudaria tanto, e para pior? Lembro-me bem de que naquela ocasião o Brasil estava com a bola toda lá no exterior, as perspectivas de crescimento e estabilidade eram das melhores. Infelizmente o período de bonança não foi aproveitado para o desenvolvimento do país, e as manchetes internacionais destacam nosso período de crise decorrente das infindáveis escândalos de corrupção e desvio de recursos públicos. Lamentável!

Se uma de minhas titias contribuiu para meu crescimento profissional, aumentando minha biblioteca, as outras duas titias contribuíram para meu crescimento cultural, levando-me a Toledo e a Segóvia, minha irmãzinha e família, estiveram sempre a meu lado, também, a pesar das dificuldades de carregar todos os apetrechos necessários para sair com um bebê.  Até minha vozinha, com suas dificuldades de locomoção, acompanhou-nos sempre que possível. Isso não tem preço e fico muito agradecida. O principal não foram os lugares visitados, mas a companhia. Espero poder retornar em breve, desta vez com meu marido e nossos filhos!

E para terminar, também voltei carregada como uma mula, com as malas cheias de presentes e de guloseimas, felizmente nada me foi confiscado! Fui muito bem recebida por meus queridos filhos, marido e por nosso cachorrinho salsicha, fiquei muito feliz por estar novamente com eles. Cheguei a Belém em um momento muito significativo para a cidade, na ocasião do Círio de Nazaré, uma impressionante procissão religiosa que reuniu cerca de dois milhões de pessoas.


Círio de Nazaré

4 comentários:

  1. Me encantan tus crónicas de viaje! Son fieles recuerdos, me hacen revivir muchos momentos, además de hacerme reír y reír! ;)

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  2. Me alegro de que hayas traído el diccionario de sinónimos de María Moliner en la maleta. Veo por tu texto que ha sido un viaje intenso y disfrutado. Muchos saludos desde Cáceres de España.

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