Desde que o ser humano começa a tomar consciência de si
mesmo, quando ainda é uma coisinha pequena e rechonchuda, já aprende a se
comunicar e a exercer seu poder por meio da comunicação. Basta um berro bem
caprichado para que mamãe e papai saiam correndo feito baratas tontas atrás de
fraldas, mamadeiras, chocalhos e coisas que o valham.
A comunicação confunde-se com a própria vida. Temos tanta
consciência de que comunicamos como de que respiramos ou
andamos. Somente percebemos a sua essencial importância
quando, por acidente ou uma doença, perdemos a capacidade
de nos comunicar. (Bordenave, 1986. p.17-9)
consciência de que comunicamos como de que respiramos ou
andamos. Somente percebemos a sua essencial importância
quando, por acidente ou uma doença, perdemos a capacidade
de nos comunicar. (Bordenave, 1986. p.17-9)
Por ser algo tão natural, nem nos damos conta dos
processos complexos que a comunicação envolve. Principalmente quando falamos,
tudo é tão instantâneo e automático que, algumas vezes, só tomamos consciência de algo que dissemos depois de tê-lo dito. Muitas vezes pensamos algo, mas, ao
tentar expressá-lo, sai de forma distorcida. Ou, se sai como queremos, é distorcido por nosso interlocutor.
Complicado não? Afinal de contas, é a linguagem que desenvolve o pensamento ou é o pensamento que
desenvolve a linguagem? O linguista Edward Sapir propôs uma perspectiva alternativa em 1921, ao sugerir que a linguagem influencia a forma como os
indivíduos pensam. Mas, finalmente, qual é o objetivo deste preâmbulo?
Ultimamente tenho prestado muita atenção à ambiguidade da
comunicação e percebi que há mais mistérios entre o transmissor e o receptor do
que sonha nossa vã filosofia. Ou seja, em matéria de comunicação nada é obvio.
A comunicação é algo tão incrível que você pode dizer uma coisa querendo
expressar exatamente o contrário: é a tal da ironia. Aliás, a ironia é algo
bastante cruel, principalmente quando o outro é ingênuo. Lembro-me bem de uma ocasião
em que meu pai estava me dando uma lição de matemática e, irritado com
minha letra miúda, disse-me ironicamente: “Você não pode fazer uma letra menor?” e eu, na maior inocência, apaguei o que havia escrito e me esforcei para fazer uma letra de formiga. O que o deixou ainda mais
irritado, por achar que eu estava zombando dele.
Reforçando: em matéria de comunicação, não há NADA óbvio.
Mesmo quando o indivíduo está formulando um desejo para si mesmo ele consegue ser ambíguo.
Muitas vezes, as respostas malsucedidas são resultado de perguntas ambíguas.
Lembro-me, também, de uma prova de geografia do meu filho, na qual a
professora perguntou: “Como se encontram as rodovias brasileiras?”. Ao que meu
filho respondeu, na maior ingenuidade, “Pelo mapa”. A professora achou que era
piadinha, quando, na verdade, a pergunta dela era ambígua, não era “óbvio” que ela
se referia à “situação” das rodovias... E essa ambiguidade aparece o tempo todo
em questões de provas mal formuladas.
Mas, se a comunicação que envolve uma única língua já é
complicada, quem dirá a que envolve mais de uma língua? Quem dirá a tradução,
onde o tradutor deve, primeiramente, interpretar a mensagem em um código e, a
seguir, reproduzi-la em outro?
Desconfie sempre do óbvio!
Não somente no processo de tradução em si, mas em todo o processo de negociação e de instruções
sobre o trabalho.
Não é óbvio, por exemplo, que a tradução de uma apresentação
seja em Power Point, pois ela pode ser em LibreOffice ou em outro editor de
apresentações, isso faz diferença, pois pode causar perda de formatação; não é óbvio, também, que a tradução de slides inclua a tradução dos comentários. Ou que a tradução de gráficos e figuras, bem como a formatação, estejam incluídas no orçamento de um projeto. Tampouco é
óbvio, em se tratando de versão para o espanhol, que a variante do texto alvo seja a peninsular ou a rio-platense... Também não é óbvio que você receberá o
arquivo original em formato editável ou que o cliente lhe pagará na entrega...
ou que o prazo incluirá somente dias úteis... ou que a contagem de palavras se dará a partir do original... ou que uma lauda corresponda a 1.000 caracteres sem espaços...
A máxima é: “Não há nada óbvio”. Toda dúvida deve ser muito bem esclarecida antes de aceitar um trabalho. Quando o assunto é comunicação, nem tudo é o que parece...
Para ver algumas formas de eliminar a ambiguidade do texto, clique aqui.
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