Recentemente estive no Paraguai, terra em que morei de 1980
a 1983, quando ainda era governada por um ditador, embora isso não venha ao
caso, já que aqui o foco é outro: a variedade linguística.
Como eu ia dizendo, fiz uma pequena viagem de aproximadamente 80 km de
ônibus para resolver uns assuntos pessoais e gostaria de relatar aqui minhas
impressões linguísticas. Não pude deixar de me encantar com as palavras e
expressões que chegavam a meus ouvidos, olhos e memórias ao longo do percurso,
muitas delas me levaram a uma viagem no tempo, de volta à época de meus 6 a 9
anos de idade.
Alguns estudiosos da língua veem o popular e o regional como
algo nocivo, algo que corrompe a língua-padrão e a condena à deriva. Não sei
até que ponto isto é verdade, mas o certo é que a língua vai se transformando
com o uso, isso é inevitável, especialmente a linguagem falada que é como um
cavalo "chucro" que não se sujeita às rédeas da norma. Polêmicas à parte, não há
como negar que a linguagem popular e regional tem seu encanto, já que é ela que
reflete a idiossincrasia do local e de sua comunidade. Obviamente essa linguagem
deve ser usada somente na informalidade e não em textos formais ou oficiais,
mas nem por isso ela deve ser banida do cotidiano, trata-se mais de uma questão de
identidade.
Na América Latina se fala o espanhol ou o castelhano — como
queiram —, é uma língua comum, mas cada local tem seu vocabulário, seu sotaque e,
até mesmo, suas regras próprias e únicas e é isso que torna essas variantes
especiais.
O feijão é o mesmo, mas cada um o prepara com seu tempero e,
ainda assim, ele não deixa de ser feijão. Eu diria que os regionalismos são
como o tempero da língua…
Chipa Paraguaya |
Enquanto eu viajava, ia me lembrando dos tempos em que
estudei no Paraguai. No recreio, comprávamos “pororó” (pipocas) e
outras guloseimas.
Todos os dias, formávamos fila, tomávamos distância e cantávamos
o hino nacional: “A los pueblos de
América, infausto: tres centurias un cetro oprimió, mas un día soberbia
surgiendo…”. Meu uniforme era impecável: vestidinho,
cintinho, gravatinha, meias brancas três quartos, mocasins pretos. Havia um
costume constrangedor que era a revista de nossas cabeças para ver se tínhamos
piolhos, várias vezes fui para a diretoria, por culpa dos malditos pediculídeos
que insistiam em se "instalar" em nossas cabeças…
Bandeira Paraguaia |
Eu me empolgo e
acabo me esquecendo de falar das expressões e palavras peculiares, desculpem-me.
Vejamos alguns “paraguayismos”:
“ule” = sacola de plástico
“allá ité” = lá longe, união de español e guarani que proporciona mais intensidade à expressão
“Chera´a” = meu amigo
“Argel” = pessoa
desagradável, antipática
“Mita´í” = palavra guarani que significa menino
“Nderakore” = expressão de origem guarani usada em
situações frustrantes
“¡A la pinta!” = para expressar surpresa
“De guaú” = de mentirinha, de bricadeirinha
“Pió” = usada em interrogações "¿Para qué pió?"
“Na” = usada em súplicas "¡Dale na!"
“Nambrena” = palavra de origem guarani que expressa tédio ou admiração, segundo seu emprego
“¡A la pinta!” = para expressar surpresa
“De guaú” = de mentirinha, de bricadeirinha
“Pió” = usada em interrogações "¿Para qué pió?"
“Na” = usada em súplicas "¡Dale na!"
“Nambrena” = palavra de origem guarani que expressa tédio ou admiração, segundo seu emprego
“Picó”, “¿Ya, te vas, picó?” = expressão de
origem guarani, “Pikó”, empregada em perguntas também
“¡Chúlina!” = que fofo!
“¡Chúlina!” = que fofo!
A propósito, outra palavra que tem muitas variantes: a "mamadeira"; biberón (Espanha e Paraguai); mamadera (Argentina e Chile), mema (Uruaguai), mamila (México), pepe (Honduras), pacha (El Salvador e Nicarágua), o tetero (Colombia e Venezuela), chupones (Costa Rica)
Se tem algo de que os paraguaios devem se orgulhar é do fato de eles terem mantido o guarani como língua oficial, ensinada na escola e usada não somente no ambiente familiar, mas também na imprensa, literatura, TV e repartições públicas. Ao contrário do Brasil, que não preservou uma única língua indígena das tantas que por aqui existiam.
No Paraguai é natural ouvir as pessoas falarem o guarani incorporando palavras em espanhol, já que aquela, por ser uma língua mais elementar, possui um vocabulário mais restrito, essa mistura do espanhol e guarani recebe o nome de "jopará".
Vejamos, a seguir, um trecho de um diálogo da peça "Nuestra María y Nuestro José" da autoria de Victor J. Bogado A., divulgada no site www.portalguarani.com
(...)
MARÍA: (Entra preocupada) José, viste piko como subió la bahía
desde ayer ...¿no viste? Por eso todos ya se están yendo más arriba. Ña
Pancha y eso ya se mudaron todos a la casa de su comadre...El río crece
cada vez más y más... Mirá na esos camalotes... Quién sabe cuántas
víboras ha de haber ahí...
JOSÉ: No te aflijas, María... ani reñekebrantá che ama... todo se va a solucionar con la ayuda de Dios...
MARÍA: Pero, José... mirána un poco, che karaí... no te digo
que todos los vecinos ko ya se fueron... Dónde piko che Dios nos vamos a
refugiar... sobre que mira na un poco, que yo ya estoy demasiado
pesada... casi ya no aguanto más...
JOSÉ: No te preocupes tanto, mi hija... ya nos vamos a arreglar de alguna forma.
MARÍA: Hmmm... ¿Y cuando nazca nuestro hijo pa cómo nos vamos a
arreglar? ¿De dónde vamo a sacar para comer? ¿Cómo piko nos vamos a
mantener?... Nadie ko te va a traer trabajo aquí en medio del barro y el
agua...
JOSÉ: Es posible, María... ¿cómo piko te vas a desesperar? Dios
no abandona ko a los pobres... ya te olvidaste de lo que siempre nos
dice el pa'i de la parroquia... ¿dónde está tu fe, che ama?
MARÍA: (Suspira.) Bueno, sí es cierto ...tenés razón, José... pero... tengo un poco de miedo, no más. (Llorosa.)
JOSÉ: Y yo soy fuerte y no le tengo miedo al trabajo ni a nada
por el estilo. ¿Vos sabés luego, ajépa? (Le acaricia tiernamente.)
Cualquier cosa ko voy a hacer, mi hija. Aní repená, che ama querida.
MARÍA: Sí, mi José pero... ¿Y si nos llega el agua de noche?
¿No pensaste piko en eso, che papá? ¿Y si nace mi bebé en medio del
barro, los bichos y el agua sucia?
JOSÉ: (pensativo.) Sí, pensé... lo que pasa es que no sé dónde
voy a dejar mis herramientas y mi tallercito... Upéa hína la che
problema... ¿Y de qué piko vamos a vivir?
MARÍA: Te comprendo, che mena, pero pensá un poco en esta pobre
criatura que está por nacer... Yo ya siento sus pataditas en mi
barriga... A ver, tocá na un poco, parece que se mueve...
(...)
|
Seu texto me faz pensar em um monte de coisas: no uniforme que usava quando estudava o primário e também cantava o hino nacional no Brasil dos anos 70 que também era uma ditadura; na questão das línguas regionais, aqui na Alsácia é um grande orgulho, o alsaciano é vivo, dinâmico e incentivado.pelos governos locais, mas ele existe em paralelo à língua nacional que é o francês. E enfim, adoro esse tipo de assunto sobre culturas. Infelizmente não entendi a fineza das distinções no diálogo acima, estou pensando seriamente em voltar a aprender o espanhol.
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