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terça-feira, 18 de março de 2014

Entrevista com a tradutora Lineimar Pereira Martins




Franco-brasileira, doutora em antropologia e apaixonada pela língua francesa, Lineimar Pereira Martins exerce há muitos anos atividades que conjugam seus conhecimentos em civilizações, idiomas e culturas principalmente no ensino, e hoje é tradutora em tempo integral. Atualmente mora na França, numa cidadezinha de mil habitantes, onde exerce sua atividade de tradutora. Nasceu no Rio de Janeiro, aonde vai sempre que pode para rever a família. É casada e tem um filho.



Diana - Quais são as línguas que você traduz e há quanto tempo é tradutora?

Lineimar - Traduzo do francês para o português. Há mais de vinte anos que trabalho como tradutora, mas no início era uma atividade paralela a outras atividades ligadas ao ensino, há três anos decidi me dedicar totalmente à tradução, profissionalizar-me, hoje é a minha atividade principal.



Diana - Fale um pouco de como tudo começou. Ser tradutora fazia parte de seus planos ou começou por acidente?

Lineimar - No início foi uma história de amor pela língua francesa. Aos 16 anos comecei a trabalhar para pagar meu curso de francês e desde então nunca mais parei, até hoje, trinta anos depois, ainda procuro me aperfeiçoar. Logo no início da minha vida profissional, trabalhei como tradutora para um cineasta francês que morava no Rio. Mas financeiramente não dava para viver, tive de encontrar outro emprego. Depois de alguns anos em um emprego que não me satisfazia intelectualmente, decidi largar tudo e vir para a França mergulhar fundo no que eu realmente gostava. E comecei uma outra aventura, voltei a estudar, primeiro Ciências Políticas depois Antropologia. Dei aulas durante muitos anos, gostava muito de ensinar, mas estava sempre traduzindo aqui e ali. Há quatro anos fiz um balanço me perguntando como poderia concentrar todos os meus conhecimentos, essa rica bagagem que tinha adquirido em diferentes atividades e cheguei à conclusão que a tradução seria a profissão perfeita porque reúne meus conhecimentos em ciências humanas e nos dois idiomas que domino. Com essa decisão tomada, fiz uma formação para aperfeiçoar as técnicas de tradução em uma escola belga que fica em Bruxelas, e desde então tenho trabalhado integralmente como tradutora. Estou adorando!



Diana - De que forma sua formação em ciências políticas e antropologia contribuiu para o ofício de tradutora?

Lineimar - É uma verdadeira fusão de todos os meus conhecimentos, minha formação me fornece ferramentas incríveis, conceitos, noções, expressões, autores, o fato de conhecer o trabalho de muitos pesquisadores ajuda a entender melhor o texto que estou traduzindo, referências que muitas vezes nem preciso pesquisar por já ter lido o autor citado, uso tudo isso nas traduções porque decidi orientar minha atividade para um assunto que conheço bem, que são os textos na área de Ciências Humanas e Sociais. Como são disciplinas que produzem muitos neologismos, acredito que levaria muito mais tempo para realizar as traduções que faço se eu não tivesse esse domínio dos termos. E, a título pessoal, tenho a impressão de ainda exercer a antropologia, minha outra paixão. Digo sempre que a antropologia é mais do que uma profissão, é uma nova visão do mundo. E isso a gente não perde nunca.



Diana - E sua experiência na Coreia do Sul, o que acrescentou ao seu trabalho?

Lineimar - A experiência na Coreia do Sul foi incrível, uma abertura no olhar impressionante, porque os valores, os hábitos são realmente muito distantes de tudo o que eu conhecia, do nosso Ocidente, para simplificar. Eu diria que me ajudou nesse sentido, a construir o “olhar distanciado” como dizia o antropólogo Lévi-Strauss. E como eu escrevi um livro sobre esse país, foi também um bom exercício de reflexão e redação.



Diana - Quais foram os principais desafios no início da carreira?

Lineimar - Acho que foi obter o primeiro trabalho, entrar no circuito, integrar a rede de profissionais. Esse é o grande desafio para quem começa, em todo caso foi o meu.  



Diana - Quais são as dificuldades de ser tradutora literária na França?

Lineimar - Não me considero tradutora literária, mas científica. Infelizmente não posso falar muito sobre isso.



Diana - O que é que você mais gosta de seu trabalho?

Lineimar - Gosto de praticamente tudo nesse trabalho, mas adoro o exercício de buscar a palavra mais adequada, escrever e reescrever a frase para obter um estilo mais elegante, trabalhar a forma do texto, além do enriquecimento que a leitura dos livros que traduzi, e espero continuar traduzindo, traz. São assuntos que eu talvez não tivesse lido voluntariamente, então está ampliando muito meu universo cultural.



Diana - E o que menos gosta?

Lineimar - Sinto falta da socialização, sair para almoçar com colegas, por exemplo.



Diana - Algum trabalho a marcou de modo particular e por quê?

Lineimar - Traduzi um livro sobre a questão do gênero que achei muito interessante. Nesse livro, pesquisadores contemporâneos fizeram uma releitura dos textos de grandes mestres como Claude Lévi-Strauss, Max Weber, Émile Durkheim, Pierre Bourdieu etc. através do ângulo do gênero, quer dizer, de que modo abordaram ou se esqueceram de abordar a mulher em seus textos e porque, que papel as mulheres exerciam na sociedade pesquisada e porque foram eventualmente negligenciadas. Foi interessante porque desmistificou, de certa forma, alguns dos meus grandes mestres que eram quase idolatrados. Achei a iniciativa excelente, inovadora.



Diana - Como é sua rotina de trabalho, o seu dia a dia?

Lineimar - Determino um número de páginas para fazer cotidianamente e alterno horas de trabalho com a rotina ligada ao meu filho e a minha casa. Trabalho muito bem de manhã, então às vezes acordo às 5 h para ter uma “grande manhã”. No final da manhã paro para caminhar, pego meu filho para almoçar, depois que volto do almoço, trabalho umas duas horas no início da tarde, depois pego meu filho na escola e trabalho mais umas duas ou três horas, até às 19 h aproximadamente.



Diana - Quais são os seus passatempos quando não está traduzindo?

Lineimar - Caminho todo dia por volta de 40 minutos na minha cidadezinha ou no canal do Reno perto de casa, e isso mesmo quando estou trabalhando; leio revistas sobre atualidade, livros e vou muito ao cinema.



Diana - Lembra-se de alguma anedota ou gafe que possa compartilhar?

Lineimar - Sim, uma gafe. Foi por falta de maturidade, inexperiência. Em 1994 fiz um trabalho para a Handicap Internacional. Traduzi literalmente uma palavra, minas terrestres em francês se chamam “minas antipessoais” e foi assim que traduzi. Eu vi que também se pode dizer minas antipessoais, mas a tradução mais adequada seria “minas terrestres”. Nunca me esqueci dessa gafe.



Diana - O que ainda gostaria de fazer como tradutora?

Lineimar - Gostaria simplesmente de continuar fazendo o que tenho feito: traduzir livros estimulantes, complexos, que me façam evoluir, crescer, como esse que estou traduzindo atualmente. Não quero que pare.



Diana - Poderia deixar uma dica para os tradutores principiantes?

Lineimar - A dica seria dizer que não devem ter pressa, que a tradução exige maturidade. Não quero dizer que os jovens não sejam capazes pois a maturidade não é uma questão de idade, ela é adquirida através de uma postura diante do trabalho. Quero simplesmente dizer que além dos conhecimentos técnicos e linguísticos, é importante colocar uma distância objetiva diante do texto, deixar – quando possível – esfriar um pouco o trabalho e relê-lo com calma antes de entregá-lo. Em outras palavras, diria que é melhor recusar um trabalho quando não se tem tempo para fazê-lo adequadamente do que aceitar e entregar um trabalho feito às pressas. É a sua reputação que está em jogo.



Livros publicados: 


O mito da raça pura na Coreia do Sul, Edições Lulu, 98 páginas, 2012.

Le mythe de la race pure en Corée du Sud, Éditions Lulu, 112 páginas, 2011.



Artigos publicados:

Le Brésil aurait 500 ans, Le Monde Diplomatique, Paris, 2000.

Le temps de la politique au Brésil, revista da Association Rhône-Alpes d'Anthropologie, numéro 47, outono/inverno de 2000.

Les autres 500 ans, revista Textures n° 7 do Centre d'Etudes Méditerranéennes Ibériques et Ibéro-Américaines do Departamento  de Línguas Romanas da Université Lumière Lyon 2, 2000, páginas 17-19.

L'institution imaginaire de la non-citoyenneté au Brésil: l'individu et la personne, páginas 73-83, ouvrage Usages sociaux de la mémoire et de l’imaginaire au Brésil et en France, Presse Universitaire de Lyon, collection CREA 2001.

Les élections au Brésil : les rites du sacré moderne, páginas 151-162, Cahiers du GELA-IS n° 2, de l'Université Libre de Bruxelles, avril 2002.

O Brasil para inglês ver, livro publicado em autoedição, 199 páginas, São Paulo, 2002.

Essa terra um dia vai cumprir seu ideal, revista virtual Autor, número 11, maio 2002.

A imprensa como criadora de caso e consenso, páginas 74-77, revista Democracia Viva, Ibase, Rio de Janeiro, 2002.



Livros traduzidos:

Sociologia das religiões, Jean-Paul Willaime, Editora UNESP, São Paulo, 2012.

O gênero nas ciências sociais – releituras críticas de Max Weber a Bruno Latour, Danielle Chabaud-Rychter, Virginie Descoutures, Anne-Marie Devreux e Eleni Varikas, será publicado em breve em coedição pelas Editoras UNESP e da Universidade de Brasília.



Artigos traduzidos:



Fraudes électorales au Brésil : au-dessus du bien et du mal

César Barreira, in "Usages sociaux de l'imaginaire et de la mémoire au Brésil et en France ", Presse Universitaire de Lyon, collection CREA 2001, páginas 31-48.

La colonisation du Brésil : marques de douleur et de résistance

Neyara Araújo, in Revue Textures n° 7 do Centre d'Etudes Méditerranéennes Ibériques et Ibéro-Américaines du Département des Langues Romanes de l'Université Lumière Lyon 2, 2000, páginas  21-25.

Mémoire et imaginaire du travail au Brésil

Neyara Araújo, in "Usages sociaux de l'imaginaire et de la mémoire au Brésil et en France", Presse Universitaire de Lyon, collection CREA 2001, páginas 107-118.

La textualisation de la mémoire et la (ré)invention des traditions luso-afro-brésiliennes dans l’Ubamda portugaise

Ismael Pordeus, in "Usages sociaux de l'imaginaire et de la mémoire au Brésil et en France", Presse Universitaire de Lyon, collection CREA 2001, páginas 121-138.



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