Franco-brasileira,
doutora em antropologia e apaixonada pela língua francesa, Lineimar Pereira
Martins exerce há muitos anos atividades que conjugam seus conhecimentos em
civilizações, idiomas e culturas principalmente no ensino, e hoje é tradutora
em tempo integral. Atualmente mora na França, numa cidadezinha de mil
habitantes, onde exerce sua atividade de tradutora. Nasceu no Rio de Janeiro, aonde
vai sempre que pode para rever a família. É casada e tem um filho.
Diana
- Quais são as línguas que você traduz e há quanto tempo é tradutora?
Lineimar - Traduzo
do francês para o português. Há mais de vinte anos que trabalho como tradutora,
mas no início era uma atividade paralela a outras atividades ligadas ao ensino,
há três anos decidi me dedicar totalmente à tradução, profissionalizar-me, hoje
é a minha atividade principal.
Diana
- Fale um pouco de como tudo começou. Ser tradutora fazia parte de seus planos
ou começou por acidente?
Lineimar - No
início foi uma história de amor pela língua francesa. Aos 16 anos comecei a
trabalhar para pagar meu curso de francês e desde então nunca mais parei, até
hoje, trinta anos depois, ainda procuro me aperfeiçoar. Logo no início da minha
vida profissional, trabalhei como tradutora para um cineasta francês que morava
no Rio. Mas financeiramente não dava para viver, tive de encontrar outro
emprego. Depois de alguns anos em um emprego que não me satisfazia intelectualmente,
decidi largar tudo e vir para a França mergulhar fundo no que eu realmente
gostava. E comecei uma outra aventura, voltei a estudar, primeiro Ciências
Políticas depois Antropologia. Dei aulas durante muitos anos, gostava muito de
ensinar, mas estava sempre traduzindo aqui e ali. Há quatro anos fiz um balanço
me perguntando como poderia concentrar todos os meus conhecimentos, essa rica
bagagem que tinha adquirido em diferentes atividades e cheguei à conclusão que
a tradução seria a profissão perfeita porque reúne meus conhecimentos em ciências
humanas e nos dois idiomas que domino. Com essa decisão tomada, fiz uma
formação para aperfeiçoar as técnicas de tradução em uma escola belga que fica
em Bruxelas, e desde então tenho
trabalhado integralmente como tradutora. Estou adorando!
Diana
- De que forma sua formação em ciências políticas e antropologia contribuiu
para o ofício de tradutora?
Lineimar - É uma
verdadeira fusão de todos os meus conhecimentos, minha formação me fornece
ferramentas incríveis, conceitos, noções, expressões, autores, o fato de
conhecer o trabalho de muitos pesquisadores ajuda a entender melhor o texto que
estou traduzindo, referências que muitas vezes nem preciso pesquisar por já ter
lido o autor citado, uso tudo isso nas traduções porque decidi orientar minha
atividade para um assunto que conheço bem, que são os textos na área de
Ciências Humanas e Sociais. Como são disciplinas que produzem muitos
neologismos, acredito que levaria muito mais tempo para realizar as traduções
que faço se eu não tivesse esse domínio dos termos. E, a título pessoal, tenho
a impressão de ainda exercer a antropologia, minha outra paixão. Digo sempre
que a antropologia é mais do que uma profissão, é uma nova visão do mundo. E
isso a gente não perde nunca.
Diana
- E sua experiência na Coreia do Sul, o que acrescentou ao seu trabalho?
Lineimar - A
experiência na Coreia do Sul foi incrível, uma abertura no olhar
impressionante, porque os valores, os hábitos são realmente muito distantes de
tudo o que eu conhecia, do nosso Ocidente, para simplificar. Eu diria que me
ajudou nesse sentido, a construir o “olhar distanciado” como dizia o
antropólogo Lévi-Strauss. E como eu escrevi um livro sobre esse país, foi também
um bom exercício de reflexão e redação.
Diana
- Quais foram os principais desafios no início da carreira?
Lineimar - Acho que
foi obter o primeiro trabalho, entrar no circuito, integrar a rede de profissionais.
Esse é o grande desafio para quem começa, em todo caso foi o meu.
Diana - Quais são as dificuldades de ser tradutora literária na França?
Lineimar - Não me considero tradutora literária, mas científica. Infelizmente não
posso falar muito sobre isso.
Diana
- O que é que você mais gosta de seu trabalho?
Lineimar - Gosto de
praticamente tudo nesse trabalho, mas adoro o exercício de buscar a palavra
mais adequada, escrever e reescrever a frase para obter um estilo mais
elegante, trabalhar a forma do texto, além do enriquecimento que a leitura dos
livros que traduzi, e espero continuar traduzindo, traz. São assuntos que eu
talvez não tivesse lido voluntariamente, então está ampliando muito meu
universo cultural.
Diana
- E o que menos gosta?
Lineimar - Sinto falta da socialização,
sair para almoçar com colegas, por exemplo.
Diana
- Algum trabalho a marcou de modo particular e por quê?
Lineimar - Traduzi
um livro sobre a questão do gênero que achei muito interessante. Nesse livro,
pesquisadores contemporâneos fizeram uma releitura dos textos de grandes
mestres como Claude Lévi-Strauss, Max Weber, Émile Durkheim, Pierre Bourdieu
etc. através do ângulo do gênero, quer dizer, de que modo abordaram ou se
esqueceram de abordar a mulher em seus textos e porque, que papel as mulheres
exerciam na sociedade pesquisada e porque foram eventualmente negligenciadas.
Foi interessante porque desmistificou, de certa forma, alguns dos meus grandes
mestres que eram quase idolatrados. Achei a iniciativa excelente, inovadora.
Diana
- Como é sua rotina de trabalho, o seu dia a dia?
Lineimar - Determino
um número de páginas para fazer cotidianamente e alterno horas de trabalho com
a rotina ligada ao meu filho e a minha casa. Trabalho muito bem de manhã, então
às vezes acordo às 5 h para ter uma “grande manhã”. No final da manhã paro para
caminhar, pego meu filho para almoçar, depois que volto do almoço, trabalho umas
duas horas no início da tarde, depois pego meu filho na escola e trabalho mais
umas duas ou três horas, até às 19 h aproximadamente.
Diana
- Quais são os seus passatempos quando não está traduzindo?
Lineimar - Caminho
todo dia por volta de 40 minutos na minha cidadezinha ou no canal do Reno perto
de casa, e isso mesmo quando estou trabalhando; leio revistas sobre atualidade,
livros e vou muito ao cinema.
Diana
- Lembra-se de alguma anedota ou gafe que possa compartilhar?
Lineimar - Sim, uma
gafe. Foi por falta de maturidade, inexperiência. Em 1994 fiz um trabalho para
a Handicap Internacional. Traduzi
literalmente uma palavra, minas terrestres em francês se chamam “minas antipessoais”
e foi assim que traduzi. Eu vi que também se pode dizer minas antipessoais, mas
a tradução mais adequada seria “minas terrestres”. Nunca me esqueci dessa gafe.
Diana
- O que ainda gostaria de fazer como tradutora?
Lineimar - Gostaria
simplesmente de continuar fazendo o que tenho feito: traduzir livros
estimulantes, complexos, que me façam evoluir, crescer, como esse que estou
traduzindo atualmente. Não quero que pare.
Diana
- Poderia deixar uma dica para os tradutores principiantes?
Lineimar - A dica
seria dizer que não devem ter pressa, que a tradução exige maturidade. Não
quero dizer que os jovens não sejam capazes pois a maturidade não é uma questão
de idade, ela é adquirida através de uma postura diante do trabalho. Quero simplesmente
dizer que além dos conhecimentos técnicos e linguísticos, é importante colocar
uma distância objetiva diante do texto, deixar – quando possível – esfriar um
pouco o trabalho e relê-lo com calma antes de entregá-lo. Em outras palavras,
diria que é melhor recusar um trabalho quando não se tem tempo para fazê-lo
adequadamente do que aceitar e entregar um trabalho feito às pressas. É a sua
reputação que está em jogo.
Livros publicados:
O mito da raça pura
na Coreia do Sul, Edições Lulu, 98 páginas, 2012.
Le mythe de la race pure en Corée du Sud, Éditions Lulu, 112 páginas, 2011.
Artigos publicados:
Le Brésil aurait 500 ans, Le Monde
Diplomatique, Paris, 2000.
Le temps de la
politique au Brésil, revista da
Association Rhône-Alpes d'Anthropologie, numéro 47, outono/inverno de 2000.
Les autres 500 ans, revista Textures n° 7 do Centre d'Etudes Méditerranéennes Ibériques et
Ibéro-Américaines do Departamento de
Línguas Romanas da Université Lumière Lyon 2, 2000, páginas 17-19.
L'institution
imaginaire de la non-citoyenneté au Brésil: l'individu et la personne, páginas 73-83, ouvrage Usages
sociaux de la mémoire et de l’imaginaire au Brésil et en France, Presse
Universitaire de Lyon, collection CREA 2001.
Les élections au
Brésil : les rites du sacré moderne, páginas 151-162, Cahiers du GELA-IS n° 2, de
l'Université Libre de Bruxelles, avril 2002.
O Brasil para inglês ver, livro publicado em autoedição, 199 páginas, São Paulo, 2002.
Essa terra um dia vai cumprir seu ideal, revista virtual Autor, número 11, maio 2002.
A imprensa como criadora de caso e consenso, páginas 74-77, revista Democracia Viva, Ibase, Rio de Janeiro, 2002.
Livros traduzidos:
Sociologia das
religiões, Jean-Paul Willaime, Editora UNESP, São Paulo, 2012.
O gênero nas
ciências sociais – releituras críticas de Max Weber a Bruno Latour, Danielle
Chabaud-Rychter, Virginie Descoutures, Anne-Marie Devreux e Eleni Varikas, será
publicado em breve em coedição pelas Editoras UNESP e da Universidade de
Brasília.
Artigos traduzidos:
Fraudes électorales au Brésil : au-dessus du bien et du mal
César Barreira, in "Usages
sociaux de l'imaginaire et de la mémoire au Brésil et en France ", Presse
Universitaire de Lyon, collection CREA 2001, páginas 31-48.
La colonisation du Brésil : marques de douleur et de résistance
Neyara Araújo, in Revue Textures n° 7 do Centre d'Etudes
Méditerranéennes Ibériques et Ibéro-Américaines du Département des Langues
Romanes de l'Université Lumière Lyon 2, 2000, páginas 21-25.
Mémoire et imaginaire du travail au Brésil
Neyara Araújo, in "Usages
sociaux de l'imaginaire et de la mémoire au Brésil et en France", Presse
Universitaire de Lyon, collection CREA 2001, páginas 107-118.
La textualisation de la mémoire et la (ré)invention des traditions
luso-afro-brésiliennes dans l’Ubamda portugaise
Ismael Pordeus, in "Usages
sociaux de l'imaginaire et de la mémoire au Brésil et en France", Presse
Universitaire de Lyon, collection CREA 2001, páginas 121-138.
Blog:
Acesso aos livros
publicados:
Na Europa:
No Brasil:
Nenhum comentário:
Postar um comentário