Páginas

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Entrevista com o tradutor Diego Raigorodsky




Diego Raigorodsky nasceu em Jerusalém, Israel e formou-se em linguística pela Universidade de São Paulo. Atualmente cursa o Mestrado em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica nesta mesma instituição. Para sua formação de tradutor, fez o curso de Tradutor e Intérprete do Alumni, em São Paulo. É tradutor e intérprete autônomo com 9 anos de experiência. Suas áreas de especialização são: textos literários, poesia, arte e humanidades.



Diana — Quais são as línguas que você traduz e há quanto tempo é tradutor?

Diego — Eu tive a sorte de, desde pequeno, crescer num ambiente plurilíngue. Nasci e passei parte da minha infância em Israel, falando hebraico e inglês na escola e fora de casa. Por ser filho de uma brasileira e de um argentino, em casa falava português e espanhol. Com o passar do tempo, fui me apaixonando pelo mundo das Letras, Literatura e Linguística, o que me levou a aprender francês e italiano, japonês e mandarim. Hoje traduzo de todas estas línguas, embora no japonês e no chinês eu esteja engatinhando e aceite apenas trabalhos muito específicos (nunca algo técnico, por exemplo). Por incrível que pareça, existe hoje uma certa demanda por traduções do aramaico, uma língua que acabei aprendendo por sua similaridade com o hebraico. Para fortalecer os conhecimentos, fiz um curso de extensão no idioma, e hoje traduzo também deste idioma.

Trabalho com tradução das línguas que aprendi primeiro desde 2002. Para o chinês e japonês, comecei a estudá-los em 2000, e só me senti apto a começar algumas traduções a partir de 2010.



Diana — Fale um pouco de como tudo começou. Ser tradutor fazia parte de seus planos ou começou por acidente?

Diego — Apesar de toda essa influência, eu jamais pensei em ser tradutor e, para dizer a verdade, jamais pensei em trabalhar em algo relacionado com isso (por exemplo, literatura, professor de idiomas, redação ou coisas do tipo). Sempre considerei isso um hobby, e não uma área de trabalho, tanto é que na época do vestibular fui prestar medicina, certo de que era isso o que eu queria. Passei no curso, fiz um semestre da faculdade para ver que não era a minha praia. Larguei o curso e voltei a prestar vestibular, dessa vez para Letras. Mas ainda assim a tradução não veio como primeira opção, e só aconteceu na minha vida por acidente mesmo.


Certa vez estava com meu pai em uma editora e livraria, comprando livros que eu queria ler. Enquanto olhávamos os produtos, o editor chefe saiu do escritório, apareceu no balcão e comentou com uma de suas funcionárias que estava precisando achar o telefone de um tradutor de hebraico, e perguntou se ela podia ligar para fulano ver se ele podia fazer uma recomendação. Nesse momento, meu pai falou “Vai lá, se apresenta, e diz que você sabe hebraico e pode traduzir”. Virei para o meu pai, e disse: “Você está louco? Eu sei hebraico, mas não o suficiente para traduzir. Sei lá que tipo de texto ele precisa, e sei lá se vou dar conta.” Meu pai me ignorou por completo, virou-se de costas e foi ele mesmo falar com o editor-chefe. Quando dei por mim, o editor estava com os olhos arregalados me fitando, como se eu tivesse caído do céu, e me chamou para o escritório dele. Me mostrou o livro, fez algumas perguntas, definimos alguns pontos (principalmente deixei claro que jamais tinha traduzido nada), e saí de lá com meu primeiro trabalho. Ele gostou do resultado, e a parceria continua até hoje!



Diana — Porque a tradução literária?

Diego — Bom, como eu disse acima, foi mais por acidente do que por qualquer outra coisa. Se eu disser que foi uma escolha consciente e de livre vontade da minha parte, estarei mentindo. Acho que foi a tradução literária que me escolheu. Mas, depois de me tornar tradutor, também não me vejo muito trabalhando em outra área. Já fiz (e faço, de vez em quando) tradução técnica, mas se a literária não tivesse me escolhido, acho que acabaria por escolhê-la de qualquer maneira.



Diana — Quais foram os principais desafios no início da carreira?

Diego — Com certeza abrir as portas das editoras e ter uma chance de mostrar meu trabalho. Além disso, a dificuldade de estabelecer meus preços. No começo eu não sabia nada de nada sobre valores e sobre mercado, e me vendia a preço de banana. Reverter esse quadro com os primeiros clientes foi complexo.



Diana — O que é que você mais gosta de seu trabalho?

Diego — Posso responder “tudo”? (risos). Adoro o fato de ser um trabalho em que estou sempre lendo e aprendendo, me divertindo e crescendo ao mesmo tempo. Acho que trabalhar em algo que te entretém e que não tem um pingo de monotonia, por estar sempre te mostrando coisas novas, é o que me faz amar ser tradutor.



Diana — E o que menos gosta?

Diego — Da tradução em si, nada. Não gosto de algumas realidades do mercado para tradutores.



Diana — Algum trabalho o marcou de modo particular e por quê?

Diego — Todo trabalho de certo modo me marca. Pode parecer chavão, mas não é, e não vou ser o primeiro nem o último a dizer que, traduzir um livro, é como ter um filho. Cada livro é diferente, e cada um você gosta de um jeito diferente e particular. Então eu poderia dizer que tal filho me marcou por sua candura, e o outro por sua sabedoria. Aquele me marcou por sua história de vida, e o outro por sua imaginação e mente criativa.

Diana — Quais são as dificuldades que o tradutor literário encontra ao trabalhar no Brasil?
Diego Acredito que, de longe, a maior dificuldade é a falta de consciência de algumas editoras da importância de um tradutor literário. Muitas editoras (e não só as pequenas, como poderíamos achar) ainda preferem fazer traduções de obras literárias usando alguém de renome, em vez de um tradutor literário. Por exemplo, chamam um historiador de renome para traduzir um livro não-ficção de história, ou um economista para traduzir os livros de dicas financeiras que ficaram comuns nos últimos tempos. O historiador e o economista certamente sabem mais de sua área do que um tradutor, mas tenho minhas dúvidas se o conhecimento linguístico deles é melhor do que o de um tradutor. Sem contar que, um bom tradutor entenderá bastante da área que traduz, e, se não entender, vai pesquisar. Então é mais fácil um tradutor fazer uma pesquisa para traduzir um livro de economia, do que um economista "fazer uma pesquisa" linguística para aprender a traduzir.


Uma segunda dificuldade, que não fica muito atrás da primeira, é a remuneração no meio. Não é raro ouvir pessoas dizendo que "tradução literária paga menos", isso é, quando comparada à tradução técnica. De fato, é uma realidade. Muitas vezes o tradutor literário traduz obras monumentais a um preço bem barato; e, desnecessário dizer, muitas vezes essas obras traduzidas viram verdadeiros best-sellers, dando rios de dinheiro para a editora (ou seja, o trabalho poderia ser mais bem remunerado). É por isso que hoje existe uma luta de alguns tradutores para que os pagamentos de obras envolvam uma porcentagem sobre os lucros de venda, ou uma espécie de direito autoral do tradutor.



Diana — Como é sua rotina de trabalho? Você trabalha em casa? É verdade que os tradutores que trabalham em casa ficam de pijama e pantufas e não fazem a barba? (risos)

Diego — Trabalho em casa, sim e, cá entre nós, vou contar um segredinho, mas jure que não vai contar para ninguém, ok? Sim, os tradutores que trabalham em casa ficam de pijama e pantufa! (risos). Várias vezes fui para a frente do computador com um roupão e uma caneca de chá ou um copo de café. Quanto à barba, não vou nem comentar (risos). Minha rotina de trabalho é bastante flexível, justamente por isso. Eu geralmente gosto de traduzir na parte da tarde. Então acordo no horário que quero, sem pressa, e uso a parte da manhã para resolver o que quero. Almoço, e depois do almoço começo a maratona de tradução, geralmente até 8 ou 9 da noite, quando paro para me dedicar a hobbies.



Diana — E quais são os seus passatempos quando não está traduzindo?

Diego — Adorei a formulação da pergunta, porque traduzir é, de fato, um passatempo :-) Gosto muito de ler, de cinema, documentários e seriados. Tenho também paixão por música (ouvir e tocar) e quebra-cabeças.



Diana — Lembra-se de alguma anedota ou gafe que possa compartilhar?

Diego — Sempre há algumas, às vezes cometidas por nós, às vezes pelos outros. Uma das mais recentes em que estive envolvido, uma anedota, me pegou de surpresa, pois nunca tinha passado por nada parecido e nem sabia como reagir. Traduzi um livro bastante grande e complexo, um trabalho demorado, embora muito prazeroso. O livro foi para revisão e voltou totalmente modificado. Não se tratavam apenas de sugestões e reparos, que todo texto necessita. O livro veio realmente reescrito e retraduzido, como se fosse outra obra, irreconhecível, para mim, como sendo produção minha. As escolhas lexicais eram outras, a ordem sintáticas das frases tinha mudado, e até comentários, interpolações e notas de rodapé tinham sido postas em abundância (coisa que sempre evito fazer). Eu jamais teria traduzido o livro daquele modo, e a mudança foi tanta que me vi sem ação. Aconselhei-me com amigos tradutores e, no final das contas, decidi que não queria meu nome publicado no livro. Então o livro foi lançado com um pseudônimo, e eu fiquei praticamente como “ghost-translator”.



Diana — O que ainda gostaria de fazer como tradutor?

Diego — Tenho um sonho, mas ainda distante, e que, por ora, não passa de um simples desejo, de ter um curso livre, oficina ou escola de tradução literária; algo desligado do ambiente acadêmico, na medida do possível.

Além disso, suponho que, como todo tradutor literário, tenho o sonho de ganhar um prêmio de tradução. Não faço disso um objetivo, e jamais trabalho pensando nisso, mas acredito que é muito legal ter seu trabalho reconhecido dessa maneira.



Diana — Poderia deixar uma dica para os tradutores principiantes?
Diego — Todos têm dicas para os iniciantes, e não quero parecer dono da verdade, ou alguém que tem peso suficiente para dar algum tipo de dica. Com certeza existe gente mais gabaritada que eu com conselhos muito mais importantes e de muito mais peso. Mas, já que você pergunta, se eu pudesse dar um conselho aos principiantes, diria que os que querem ser bons tradutores devem ser pessoas cultas e que leem bastante. Para ser tradutor é preciso uma cultura geral e uma mente aberta, daí a leitura ser essencial. Ser um dicionário ambulante de nada serve.



Algumas traduções de Diego Raigorodsky:

  • Tradução do conto Crime e Castigo (A. B. Yehoshua), a ser lançado pela Editora Record.
  • Tradução direta do Zôhar do aramaico ao português (primeira tradução em língua portuguesa), Editora Annablume
  • Tradução da saga Dom Carlos (Chaim Eliav) do hebraico ao português, lançada pela Editora Maayanot
  • Tradução do romance Entre as teias da aranha (Chaim Eliav) do hebraico ao português, lançado pela Editora Maayanot


Dados de contato:

Facebook: Diego Raigorodsky (https://www.facebook.com/diegorai)
E-mail: diegorai@gmail.com



 

5 comentários:

  1. Sucesso Diego. Que seus sonhos sejam concretizados no devido tempo. Abs

    ResponderExcluir
  2. Adorei a entrevista e conhecer um pouco do Diego através dela. O início da carreira dele é realmente surpreendente. Essa ideia das entrevistas é muito boa, Diana, para profissionais como nós que trabalhamos cada um em seu canto, faz bem conhecer um pouco mais do cotidiano de nossos colegas, satisfaz parte da minha curiosidade, das perguntas que me faço justamente quando me vejo diante do computador de pijamas e com minha xícara de café na mão, em um sábado ensolarado às 2 horas da tarde. Não vejo a hora de ler as próximas!

    ResponderExcluir
  3. Li, fico feliz que você tenha gostado da entrevista. A intenção é essa mesma, a de conhecermos um pouco da história e das experiências de nossos colegas, como você disse muitas vezes o trabalho do tradutor é solitário e faz falta um bate-papo, uma troca de ideias, uma aproximação.

    Um abraço e obrigada por prestigiar!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Entrei no seu blog por ver uma chamada no grupo de Tradutores e, como tradutora, sinto enorme curiosidade sobre o trabalho de meus colegas. Realmente muito interessante a forma como o Diego conseguiu seu primeiro trabalho. E eu, que achava muito estranha, a forma como consegui o meu... Parabéns a você pelo blog e sucesso.
      Fátima Do Coutto

      Excluir
  4. Conheçi o Diego Raigorodski apenas virtualmente​, muito recentemente, através de um post seu na página do Grupo Tradutores/Intérpretes do Fb, do qual participo há pouco tempo. Me despertou interesse conhecê-lo um pouco mais.
    Confesso que estou impressionado com suas habilidades linguísticas e sua postura não-pedante, apesar de tanta competência. Mais impressionado estou com sua lucidez.
    Este, com certeza, é um homem de letras, mais que um tradutor, que receberá, no devido tempo, o seu prêmio como tradutor literário. Talvez não receba um troféu, ou um cheque, mas receberá as Honras da Vida e do Criador dela.
    De um "ghost-admiror".

    ResponderExcluir