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terça-feira, 1 de outubro de 2013

A continuidade dos parques – Julio Cortázar

Tradução: Diana Margarita


Tinha começado a ler um romance uns dias antes. Abandonou-o por negócios urgentes, voltou a abri-lo quando voltava de trem para a fazenda; deixava-se interessar lentamente pela trama, pelos traços das personagens. Essa tarde, após escrever uma carta a seu procurador e discutir com o capataz uma questão de parcerias, voltou para o livro na tranquilidade do escritório que dava para o parque de carvalhos. Refestelado em sua poltrona favorita, de costas para a porta que o teria incomodado como uma irritante possibilidade de intrusões, deixou a mão esquerda acariciar uma e outra vez o veludo e pôs-se a ler os últimos capítulos. Sua memória retinha sem esforço os nomes e as imagens dos protagonistas; a ilusão novelesca o envolveu quase em seguida. Gozava do prazer quase perverso de ir desmembrando linha por linha daquilo que o cercava, e sentir ao mesmo tempo que sua cabeça descansava confortavelmente no veludo do alto respaldo, que os cigarros continuavam ao alcance da mão, que mais além das vidraças dançava o ar do entardecer sob os carvalhos. Palavra por palavra, absorto pela sórdida separação dos heróis, deixando-se levar para as imagens que se combinavam e adquiriam cor e movimento, foi testemunha do último encontro na cabana do bosque. Primeiro entrava a mulher, receosa; agora chegava o amante, o rosto ferido pelo açoite de um galho. Admiravelmente ela estancava o sangue com seus beijos, mas ele rejeitava as carícias, não viera para repetir as cerimônias de uma paixão secreta, protegida por um mundo de folhas secas e sendeiros furtivos. O punhal amornava-se contra o peito, e debaixo latejava a liberdade escondida. Um diálogo almejante corria pelas páginas como um rio de serpentes, e sentia-se que tudo estava decidido desde sempre. Até essas carícias que emaranhavam o corpo do amante como querendo retê-lo e dissuadi-lo, desenhavam abominavelmente a figura de outro corpo que era preciso destruir. Nada tinha sido esquecido: álibis, acasos, possíveis erros. A partir dessa hora cada instante tinha seu emprego minuciosamente atribuído. A reinspeção impiedosa era interrompida apenas para que uma mão acariciasse uma face. Começava a anoitecer.
Já sem se olharem, fortemente ligados à tarefa que os esperava, separaram-se à porta da cabana. Ela devia seguir pelo caminho que ia para o norte. Do caminho oposto ele voltou-se por um instante para vê-la correr com o cabelo solto. Correu por sua vez, amparando-se nas árvores e nos sebes, até distinguir na bruma malva do crepúsculo a alameda que chegava até a casa. Os cachorros não deviam latir, e não latiram. O capataz não estaria a essa hora, e não estava. Subiu os três degraus da varanda e entrou. Do sangue galopando em seus ouvidos chegavam-lhe as palavras da mulher: primeiro uma sala azul, depois uma galeria, uma escada acarpetada. No alto, duas portas. Ninguém no primeiro quarto, ninguém no segundo. A porta da sala, e então o punhal na mão, a luz das vidraças, o alto respaldo de uma poltrona de veludo verde, a cabeça do homem na poltrona lendo um romance.

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